quinta-feira, dezembro 01, 2005

UMA LIGAÇÃO PORNOGRÁFICA

Tinha sido uma ligação pornográfica, apenas baseada no sexo. Pelo menos é o que uma mulher (Nathalie Baye) diz para a câmara ou para um entrevistador invisível ali postado ao lado desta…
Mas a sua história nem sempre condiz com a do seu cúmplice (Sergi Lopez) nessa experiência amorosa: enquanto ela afirma tê-lo conhecido pelo minitel, ele garante ter-lhe respondido a um anúncio numa revista pornográfica…
No que convergem é no local do primeiro encontro: um café. E no desconforto suscitado pelo nervosismo da ocasião.
O mesmo nervosismo, que os leva ao hotel ali próximo, aonde começam a realizar os seus fantasmas… Durante três ou quatro meses, ao ritmo de uma ou duas vezes por semana, sobretudo ás quintas-feiras…
Quando ela se arrisca a deitar-se por cima dele estão subvertidos os estereótipos do cinema erótico. Por natureza maculados por uma excessiva misogenia na forma de explicitar as relações. Aqui é ela, a mulher, quem toma a iniciativa, quem ensaia formas de ir além… A forma de alcançar orgasmo poderoso, que o emociona. Por nunca ter acreditado possível um desiderato tão eloquente…
Mas que os assusta: na vez seguinte, em vez de se sentirem mais cúmplices, nota-se-lhes uma certa frieza. Temerosa de uma caixa de Pandora, que terão apenas aberto um pouco sem se arriscarem a retirar toda a tampa…
A única vez em que o exterior vem confrontar-se com eles é quando um outro hóspede do hotel sofre um ataque no corredor e o socorrem. Lignaux, esse desconhecido, sempre fora um mulherengo, mas como lhes confidencia a sua repudiada mulher, não deixaria de significar para ela uma perda irreparável. Ao ponto de acabar por se suicidar, quando a viuvez se lhe torna uma realidade.
Essa entrega ao Outro é algo, que os surpreende, que os inquieta. Por isso de nada lhes adianta a declaração de Amor, que a mulher acaba de confessar ao amante. Pelo contrário: esse gesto só precipita a ruptura, quando ambos se equivocam quanto ao sentido das suas mútuas reacções no encontro seguinte: imaginando no Outro uma vontade de ruptura, que era manifestamente falsa, eles acabam por se separar de vez...

O que um filme como «Uma Ligação Pornográfica» equaciona é a fragilidade de relacionamento entre duas pessoas, que são capazes de apostarem numa entrega física quase sem entraves, mas mantêm um distanciamento cauteloso quanto à expressão dos seus verdadeiros sentimentos. Chegando ao ponto em que podem vir a ser tudo, e acabam por consensualizar o nada. Sem nunca compreenderem quanto o seu desejo de arriscar era o mesmo, que o outro em segredo alimentava.
Com um título ambíguo, do qual se pode esperar o pior, o filme de Frédéric Fonteyne vive do notável desempenho de Nathalie Baye e de Sergi Lopez. Que verbalizam para um entrevistador invisível como tudo poderia ter sido diferente se o medo os não tivesse tolhido no momento culminante dessa relação...

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