segunda-feira, dezembro 05, 2005

A EVOCAÇÃO DE UM POLÍTICO MEDIANO CONVERTIDO EM MITO

Será que Sá Carneiro merece tanta evocação no quarto de século passado sobre a sua morte?
Se se pensar na ruptura, que ele assumiu ao impor a sua relação com Snu Abecassis numa época ainda tão marcada pela imposição clerical de certos códigos morais, é justo reconhecer-lhe o papel de revolucionário perante uma sociedade aonde o divórcio ainda funcionava como um estigma. Aliás a opção de não se candidatar à Presidência da República em 1980 contra Ramalho Eanes, tinha como fundamento a noção de estar politicamente fragilizado face a essa sua condição afectiva.
Mas, politicamente, seria Sá Carneiro alguém de quem se pudesse esperar uma mais valia para o bem estar dos portugueses? A insuspeita Agustina Bessa Luís define-o como um político sem essas qualidades excepcionais, que lhe terão querido assacar. E a escolha de um militar de extrema-direita para representar uma direita apostada em apressar a viragem política, que os valores de Abril ainda teimavam em evitar, retrata eloquentemente uma personalidade com tiques de autocrata. Aquilo que alguns definem como coragem, ao afrontar internamente quem com ele não concordasse, era a demonstração de como nele permaneciam interiorizados os valores do regime marcelista, que ele não desdenhou servir como deputado.
Por isso a melhor reportagem televisiva sobre ele é a de Cândida Pinto unicamente polarizada na sua história amorosa. Porque comece-se a falar do seu pensamento político só se lhe encontra um conceito: a contra-revolução contra o que, ainda restava da Revolução. Devolvendo terras a latifundiários e empresas a quem delas fugira para buscar asilo no Brasil.
Seria esse o caminho para almejar o tal desenvolvimento, que nos aproximasse de uma Europa em que pretendíamos entrar? A demonstração fica por fazer, mas podemo-la imaginar em função do que foi a herança de um dos seus dilectos discípulos: Cavaco Silva, que pertenceu aos seus Governos, antes de se responsabilizar por muitos dos caminhos errados seguidos pela economia portuguesa a partir da segunda metade dos anos 80.
Por isso, quando há quem se atreva a compará-lo a Mário Soares ou a Álvaro Cunhal, eles sim com visão para o que pretendiam construir enquanto país possível, só apetece gargalhar…

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