terça-feira, dezembro 27, 2005

A EXTENSÃO ABUSIVA DA MEMÓRIA

Jacques Julliard, na mesma revista, aborda os «venenos da memória». E trata a história de uma forma mais aprofundada, sem qualquer concessão à facilidade dos exemplos primários. Ele constata que “a história não é a moral. A projecção das normas éticas do presente sobre os acontecimentos passados é uma insensatez histórica, uma regressão intelectual, uma aberração científica, directamente proveniente do ‘politicamente correcto’ em voga em certas universidades americanas.”
O que vem a propósito, quando está a pretender-se empolar o êxito literário de um romance sobre Mao Zedong, apresentado como um ser execrável, todo caracterizado pelos piores defeitos, sem sequer dele se considerar a habilidade e a inteligência para mudar o mundo de uma forma tão significativa. Porque, seja a seu respeito, seja sobre outros casos lapidares como Staline ou Fidel de Castro, analisa-se um tempo histórico pelo crivo dos valores e do contexto político e económico do presente. O que é uma verdadeira desonestidade intelectual.
Mas Julliard prossegue a sua dissertação sobre a relação entre os assuntos religiosos e os assuntos de Estado: “como dizia Péguy, não basta fazer a separação entre a Igreja e o Estado; é preciso fazer igualmente a separação entre a metafísica e o Estado, e mesmo entre a ciência e o Estado”. Tese que não é seguida por quem procura impor limites à investigação científica através de leis estatais fundamentadas em preconceitos religiosos…
Os preconceitos, que importa marginalizar, sob pena de pôr termo à desejável laicidade do Estado: “ a extensão abusiva da memória em detrimento da história propriamente dita está em vias de se converter numa ameaça, quer para a liberdade de investigação, quer para a própria coesão nacional. Se se continua a mostrar a actual complacência, poder-se-iam ver, em breve, os protestantes a reclamarem justiça por causa da noite de S. Bartolomeu, os descendentes dos Cátaros pela cruzada contra os albigenses, e assim por diante. Para além de um certo prazo cronológico, é necessário curvarmo-nos perante a virtude amnistiante da história.”

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