domingo, dezembro 04, 2005

AS MEMÓRIAS DA GUERRA

Há quem queira apagar as memórias da Guerra Colonial. A não ser os chamados «antigos combatentes», que, ainda se batem por uma compensação monetária dos traumas aí vividos, esse é um período da história recente, que o poder e a generalidade dos cidadãos pretendem esquecer. Porque transformou quem nela participou, seja de forma activa, quer à distância. E, neste último caso, são-nos bem próximos os exemplos de quem esconde angústias por traumas mal resolvidos, que continuam a assombrar as noites de muitos lares.
Ainda assim, Eva Lobo, a protagonista de «A Costa dos Murmúrios» - filme de Margarida Cardoso baseado no romance homónimo de Lídia Jorge—começa por se confrontar com essa transformação de identidade ao chegar a África e constatar que Luís mudara totalmente. O entusiástico aluno de Matemática esquecera todo o seu idealismo e convertera-se no braço direito de um militar odioso, o capitão Forza Leal, a quem segue como uma sombra.
É uma África terrível aquela aonde Evita se verá mergulhada: há quem vá semeando garrafas com veneno, que mata os incautos negros da cidade, enquanto na selva as atrocidades ainda se revelam mais cruéis.
Há uma profunda miopia nos defensores da Guerra: até ao fim irão acreditar numa solução militar, quando já o tempo escasseava para uma honrosa solução política…
Beatriz Batarda consegue transmitir no rosto toda essa angústia de se ver num beco sem saída. E vai repetir, de alguma forma, o percurso da mulher de Forza Leal, cujo adultério se saldaria pela obrigatoriedade em ver o amante meter uma bala na cabeça à sua frente. Mas os amantes de ocasião - dois jornalistas venais, que calam as verdades cada dia mais difíceis de esconder - apenas lhe iludem o desconcerto de se ver sozinha perante um absurdo sem explicação.
Num filme exemplar, quanto à beleza da fotografia, há cenas lindíssimas, que importa evocar. Por exemplo, aquela em que Forza Leal e Luís vão «fazer o gostinho ao dedo» disparando contra flamingos e Helena se coloca à frente da sua mira num esforço vão para evitar esse morticínio. Ou nas cenas de praia, aonde o tédio se engana com longos banhos de sol.
Numa cinematografia aonde o problema colonial está longe de se esgotar, sobretudo, por restar ainda tanto por exorcizar no que a ele se refere, o filme de Margarida Cardoso já constitui uma referência maior, quando se trata de exemplificar a miopia do fascismo português.
E a partitura composta por Bernardo Sassetti para este filme só ilustra de forma mais eloquente os sentimentos, que devassam os equilíbrios precários de duas mulheres...

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