segunda-feira, junho 13, 2016

PALCOS: «Das Nuvens», pelo Teatro O Bando

No texto em que faculta algumas pistas para um melhor entendimento da peça, João Brites dá plena liberdade a quem a vè para a recriar dentro de si, sendo essa reelaboração pessoal a perdurar dentro de cada um como memória de algo, que já se viveu, se desvaneceu.
À partida temos um homem cansado a deixar os dias arrastarem-se enquanto vai ficando debaixo de um toldo de praia. Antigo militar, estivera comprometido na contradição de fazer a paz, quando o seu ofício era a guerra. A saúde é precária, o que não admira tendo em conta as caixas de cigarrilhas que consegue fazer emergir dos seus bolsos como se fosse um ilusionista a tirar coelhos de uma cartola. E o único entretenimento parece ser o de olhar para as nuvens, enquanto ouve as conversas telefónicas da mulher do toldo ao lado com o seu desavindo esposo.
Em certa medida há nele algo do Aschenbach  de quem aqui alinhava algumas palavras a propósito do Adagietto de Mahler escutado no concerto da Orquestra Metropolitana no CCB, dias atrás. Mas se o músico de Visconti ou o literato de Thomas Mann ia fenecendo na apreciação da beleza quase diáfana de Tadzio, o militar desta peça vê-se envolvido no diálogo real ou imaginado com uma miúda carregada de lógica, e como tal decidida a assediá-lo com perguntas incómodas, que o põem em causa consigo mesmo.
A praia funciona como o lugar privilegiado da  introspeção em que os balanços de tudo quanto se fez se tornam possíveis, mas ao mesmo tempo relativizáveis. Porque, mesmo as nuvens, mais do que permitirem previsões sobre o futuro, vão-se desvanecendo como tudo quanto sucede na vida e nada delas acabando por restar.
A peça sugere algo de místico no solo de harpa, que possa ficar como réstia do que se viveu, mas para quem não percorre esses caminhos fica o nada. Ou como diria Saramago no belíssimo documentário de Miguel Gonçalves Mendes, “hoje estamos aqui, amanhã deixamos de estar”. E ponto final… ou talvez não por restar ainda a memória dos que ficam até eles próprios desaparecerem.
A peça baseada num dos últimos textos de Tabucchi estará no espaço do Bando no Vale dos Barris até ao dia 19 de junho. E, como sempre sucede com este grupo, é imperdível...

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