terça-feira, junho 07, 2016

DIÁRIO DAS IMAGENS EM MOVIMENTO: «Tu e Eu» de Larisa Shepitko

Depois de ter visto «Ascensão» e «Adeus a Matiora» (embora a realização tivesse sido do marido), coloquei grandes expectativas neste filme que Larisa Shepitko assinou em 1971. Afinal, e pela segunda semana consecutiva, o Ciclo do Grande Cinema Russo, atualmente em curso no Nimas, suscitou-me alguma deceção, muito embora quer este, quer «Nove Dias de um Ano» de Mikhail Romm, visto a semana transata, tenham muito mais interesse do que a grande maioria de quantos estão em exibição nos cinemas nacionais.
Só que os dois títulos acima tinham colocado a fasquia da qualidade num nível demasiado elevado para o banho de água fria agora vivido.
Tratando-se do único filme que a realizadora rodou a cores na sua curta vida, «Tu e Eu» aborda o triângulo amoroso entre três cientistas envolvidos em experiências de cura do cancro em cães, mas cujos dissabores amorosos distanciaram.
Intempestivamente durante um jogo de hóquei no gelo, Piotr decide abandonar Katya e passar uns tempos em Estocolmo. Quando volta, decidido a retomar as investigações científicas no mesmo instituto em que trabalhara, julga entrever uma cumplicidade amorosa entre Katya e Sacha, até então inexistente e parte para a Sibéria onde acaba colocado como médico de mineiros e seus familiares, concluindo pela fatuidade das suas opções, pois encontra quem beneficiaria com o sucesso do seu trabalho científico se o tivesse levado ao bom porto para onde ele parecia encaminhar-se.
Entretanto, em Moscovo, e para conquistar Katya, que continua afetivamente ligada a  Piotr, Sacha não hesita em participar como voluntário numa cena de circo onde acaba necessariamente por apalhaçar-se.  Mas acaba por passar uma noite com ela, ambos concluindo que se trata de uma relação sem amanhã.
Curiosamente fica implícita a suspeita de uma atração homossexual entre Piotr e Sacha, muito subtil, mas igualmente rara no cinema russo. O que não admira se conhecermos a linha oficial homofóbica, que Putin tem cultivado por a saber de potencial sucesso junto das preconceituosas mentes dos compatriotas.
Mas «Tu e Eu» também confirma a sensação já sentida nalguns dos demais filmes do ciclo e por mim testemunhada na Rússia de Brejnev quando, pela primeira vez a visitei: a existência de uma generosidade atávica nas pessoas, ainda imunes ao tipo de egoísmo nelas posteriormente cultivado pelo consumismo capitalista. A cena em que, algures na estepe russa, durante uma paragem na sua viagem para a Sibéria, Piotr parece de todos desajustado e uma mulher lhe oferece uma maçã, nada tem da simbologia edénica, antes representando um tipo de solidariedade que o sovietismo, mesmo constituindo uma versão adulterada do que deveria ser o comunismo, não deixou de veicular.
Dos filmes de Shepitko inseridos no ciclo só nos faltará ver «Asas», que espero aproximar-se mais de «Ascensão» ou de «Adeus a Matiora» do que deste, que terá sido porventura o seu título menos entusiasmante. 

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