terça-feira, junho 14, 2016

(DIM) «O Meu Avô Allende» de Marcia Tambutti Allende (2015)

Há momentos do passado, que ficaram registados para sempre e sei perfeitamente o que senti e pensei, quando os vivi. Um deles foi quando, em setembro de 1973, soube da queda do regime de Salvador Allende, que estava a acompanhar com enorme interesse por parecer comprovar a possibilidade de se chegar a um regime de tipo socialista através de eleições livres e democráticas, dispensando assim a violência inerente a uma Revolução do tipo bolchevique.
Lembro-me que o golpe de Pinochet significava o fim de tal ilusão e a consequente aposta na lógica de não fazer dessa Revolução um convite para jantar. A guerra inerente à luta de classes, voltava a seguir dentro de momentos. Mas o período de governo da Unidade Popular perduraria em mim como nostalgia de uma alternativa, que teria sido exaltante se, a exemplo da República espanhola dos anos 30, tivesse chegado a bom porto.
Quando soube do filme da neta de Allende sobre o avô, senti óbvia curiosidade, tanto mais que merecera reação muito positiva do público do Festival de Cannes no ano transato.
Fruto de um trabalho persistente e individual, que durou oito anos, tem a ingenuidade de quem não se assume como realizadora nem sabe muito bem se virá a assinar mais algum filme. O que Marcia pretendia era registar a investigação sobre o seu apelido familiar e todas as vicissitudes por que passaram os familiares mais próximos antes, durante e depois dessa experiência governativa do homem político respeitado, carinhosamente tratado por Chicho entre os seus.
Sendo uma bebé, que nenhuma noção tivera do que se passara logo após o nascimento, Márcia vivera exilada no México com a mãe. Por isso sabia muito pouco sobre esse homem venerado e de quem ninguém tinha motivos para maldizer. Mas impressionava-a, igualmente, o silêncio de todos os Allende, que tinham sobrevivido ao golpe, desde a avó  à própria mãe, das tias aos primos como se o horror de tudo quanto se passara a 11 de novembro de 1973 a todos silenciasse.
É esse recato, que torna o filme incómodo, pelo menos na primeira parte, porque Marcia incita a família a falar do defunto patriarca e todos se calam, como se ela fosse uma profanadora de memórias inseridas no lado sagrado de cada um.
E, no entanto, quando o Chile retomara a democracia em 1988. o clã Allende, que se dispersara por vários caminhos de exílio, foi recebido com as devidas honras, organizando-se até um funeral de Estado para trasladar Allende da sua sepultura quase anónima para outra devidamente preparada para corresponder à sua dimensão grandiosa.
Na impossibilidade de ir recolhendo testemunhos orais, Marcia vai recolhendo imagens aqui e acolá de forma a preencher um puzzle com os respetivos vazios sucessivamente tapados por novas informações. Há também a referência a Beatriz, a filha que mais colaborara com Allende no Palácio de la Moneda e que, quatro anos depois de se exilar em Cuba, se suicidara na sequência de uma incurável depressão.
Durante a rodagem também morre Hortense Bussi, a avô, que quase no seu leito de morte prestara ainda algumas informações à neta, nomeadamente sobre as dificuldades de viver com um homem capaz de vender as casas familiares para financiar as campanhas eleitorais e demasiado dado aos romances amorosos com outras mulheres que não ela.
«Allende mi abuelo Allende» é uma busca terapêutica de Marcia, sem a preocupação de ir ao encontro das necessidades coletivas dos chilenos, nem de os fazer refletir sobre tudo quanto viveram, mas que tece um retrato muito interessante sobre a sua família...

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