sexta-feira, junho 10, 2016

DIÁRIO DAS IMAGENS EM MOVIMENTO: «Tomboy» de Celine Sciamma (2011)

O verão está quase a acabar quando Laure - que tem dez anos e aspeto andrógino -, muda para um novo bairro, juntamente com o pai, a mãe e a irmã mais nova, Jeanne. Mas, quando parte à descoberta do ambiente e de novos amigos, adota uma identidade masculina, dizendo chamar-se Mikael.
Na altura  alguns pais de alunos  a quem mostraram o filme nas respetivas escolas escandalizaram-se e insurgiram-se por verem os seus rebentos a contas com a ambiguidade entre o sexo que se tem e aquele com que se possa identificar.
Aquela ideia que tínhamos dos franceses como dos povos culturalmente mais avançados em matéria de sexualidade, tem-se evaporado com a afirmação progressiva de preconceitos retrógrados, concomitantes com a crescente influência política da extrema-direita.
E, no entanto, mesmo reivindicando uma perspetiva militante, Céline Sciamma limita-se a explorar um momento específico da passagem da protagonista da infância para a adolescência, tratando-o com atenção, energia e delicadeza.
A câmara opta por acompanhar as brincadeiras, os jogos, as lutas e os desejos dessas crianças apostadas em serem importantes perante o olhar dos outros.
Laure - um espantoso desempenho da jovem Zoé Héran! - vê na personalidade masculina a forma de se emancipar e reinventar, mesmo que venha a ser traída pelo corpo e pela realidade social dominada pelas mulheres - a irmã, que se porta de forma exemplar, e a mãe na sua gravidez. Ainda assim ela não renunciará à liberdade dessa ambiguidade, tão persistentemente defendida, e condensada no sorriso da cena final dedicado à sua amiga Lisa.
Célina Sciamma está a fazer um percurso muito interessante como realizadora, acumulando excelentes críticas desde o primeiro filme, «Naissance des pieuvres» até ao mais recente, «Bande de Filles», que passou demasiado rapidamente pelos ecrãs lisboetas no ano passado.
Para alguns críticos ela é a mais promissora cineasta do Hexágono, apontada como capaz de contribuir para o rejuvenescimento do filme de autor.
«Tomboy» é um filme solar e intemporal, uma espécie de conto de fadas.



Sem comentários: