sexta-feira, junho 24, 2016

(LA) A viagem de Andersen a Constantinopla

Na sua viagem de 1841 Hans Christian Andersen tinha por objetivo conhecer Constantinopla, embora não enjeitasse o possível fascínio, que a escala em Atenas lhe suscitaria.
Passadas umas semanas a visitar a Acrópole diariamente apanhou um vapor para Constantinopla que, com os seus 800 mil habitantes, era uma das maiores cidades do mundo, depois de Nova Iorque, Londres ou Paris. Mas era, igualmente, uma metrópole perpassada por tumultos com as minorias, sobretudo as de origem grega, apesar da igualdade de direitos reconhecidos aos muçulmanos e ao s que não o eram. Quando visita a Catedral de Santa Sofia Andersen sente-se intimidado pelo olhar vigilante de guardas fortemente armados. Cenário que se repete, quando vai ao túmulo do sultão Mahmud II, morto dois anos antes.
O que mais impressiona Andersen é o Grande Bazar, já então o espetáculo esplendoroso da diversidade de especiarias, objetos decorativos e, sobretudo, de joalharia que ainda hoje nos é capaz de impressionar. No livro, que redige a relatar a sua viagem, o escritor dinamarquês aconselha o turista chegado a Constantinopla a não perder tempo e fazer desse mercado o seu primeiro espaço a visitar.
O aspeto mais controverso do fascínio confesso de Andersen reside no Mercado dos Escravos, junto à Mesquita Azul, nele não vendo nada do lado horrendo, que significava, porque  excitaram-no o erotismo, a sensualidade das mulheres ali expostas para virem a integrar os haréns dos nobres locais. Tantos séculos passados, essa realidade consubstancia-lhe o lado mais concupiscente dos contos orientais.
Andersen também sente deslumbramento pela cultura dos dervixes, cujas danças rituais têm a ver com a dos planetas. Ainda hoje os atuais cultores dessa vertente sufista do islão, lembram que tudo no microcosmos e no macrocosmos é feito de movimentos de rodopio em torno de um núcleo atómico ou de uma estrela, razão para continuarem a rodar à volta do próprio coração.
Nos dez dias passados na capital turca, Andersen sente-se como que regressado à infância, nomeadamente às histórias então lidas pelo progenitor. Mas já é tempo de regressar a casa, e fá-lo por terra, ainda que bordejando o Danúbio e escalando Viena.
Ao regressar à Dinamarca inicia um dos mais prolíficos períodos criativos da sua vida, com histórias mais emblemáticas, como «O Rouxinol» ou «A Menina dos Fósforos». Nalgumas até não evita abordar alguns dos aspetos autobiográficos, relacionados com a pobreza, que conhecera em criança.
O sucesso literário aumentou exponencialmente, já abrangendo o solo natal onde tardara em ser reconhecido. Doravante terá  rendimentos bastantes para empreender sucessivas viagens aproveitando a expansão da rede rodoviária um pouco por toda a Europa. É que, até à velhice, Andersen acreditará piamente na veracidade do argumento de ser necessário viver para depois descrever as emoções associadas a essas experiências.

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