domingo, junho 05, 2016

DIÁRIO DAS IMAGENS EM MOVIMENTO: «Vozes na cabeça» de Anja Krug-Metzinger

Nos anos em que andei na Marinha Mercante encontrei gente com alguns distúrbios muito singulares. Um radiotécnico, por exemplo, não queria que assobiássemos ao pé dele, porque nos anos em que andara na pesca do bacalhau, quando alguém o fazia, era certo que alguns dos homens saídos nos dóris perdiam-se inevitavelmente do navio imerso em nevoeiro. Lembro-me, igualmente, de um marinheiro que, entre a popa e a meia-nau se benzia uma dúzia de vezes, fazendo-o sempre que iniciava a subida ou a descida de umas escadas ou pisava o pé num passadiço.  “Gente com pancada”, era assim que os designávamos.
Não me lembro, porém, de ter conhecido quem vivesse assombrado por vozes interiores, que é o tipo de problema abordado no documentário de Anja Krug-Metzinger,  apesar de, supostamente atingir 10% da população.
Historicamente houve gente célebre a padecer deste mal: Rilke, Virginia Woolf, Andy Warhol, entre muitos outros.
Estigmatizados, e classificados como esquizofrénicos (ainda que minoritários nesta comunidade), vivem perturbados por essas vozes, agressivas umas, mais calmas outras, que nunca os abandonam.
Nos testemunhos aqui abordados há uma engenheira de som, que “ouve” a voz do arcanjo São Miguel. Outra, que fora vítima de abusos sexuais na infância, não se consegue libertar das vozes dos seus agressores. Num caso de maior sucesso, uma psicóloga aprendeu a aceitar essas vozes interiores, tornando-as suas aliadas. É o testemunho dela, Eleanor Longden, durante uma TED talk, que aqui se linka abaixo.
Frequentemente ligadas a acontecimentos traumáticos inconfessáveis ou a uma alienação social, este fenómeno, ainda muito desconhecido, está a ser estudado por cientistas, que procuram aprofundar o conhecimento do cérebro e as formas por ele encontradas para estruturar a perceção ocultando certas emoções. Porque essas vozes interiores não resultam da imaginação de quem delas padece, mas de uma incapacidade de distinção entre o eu e o não eu.
Baseando-se em estudos científicos e em entrevistas impressionantes com esses escutadores de vozes, o filme explora esta realidade e as novas terapias destinadas a conseguir-lhes algum alívio. A solução mais prometedora é o “neurofeedback”, que permite otimizar as funções cerebrais de forma a permitir uma melhor gestão das emoções.



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