domingo, setembro 11, 2005

PAUL HAGGIS: «COLISÃO»

Los Angeles é uma cidade complicada. Logo de início, diz-se que, aí, as pessoas não se tocam, sempre à defesa por detrás das suas protecções envidraçadas. Porque existe uma tensão racial contínua, que justifica um receio permanente entre as diversas comunidades. Porque aqui existem negros e brancos, mas também iranianos ou chineses. E a diferença intimida, distancia. O preconceito dá azo a equívocos. Que geram gestos precipitados, mas irreversíveis nas suas consequências.
É o que acontece ao polícia Hanson (Ryan Phillippe), que sempre se esforçara por ser correcto e chegara a pedir transferência da sua viatura de serviço devido ao racismo larvar do parceiro Ryan (Matt Dillon), para, depois, ceder à postura estereotipada, matando um negro de cujas intenções desconfiara.
Ora Anthony (Chris Ludacris Bridges) era o irmão do detective Graham (Don Cheadle), destacado para o local do crime juntamente com a sua colega e amante Ria (Jennifer Esposito). E será ela quem comprovará o drama dele, incapaz de se fazer amar por uma mãe, que nunca deixa de o desvalorizar, responsabilizando-o pelo facto de nunca ter chegado a encontrar o irmão e levá-lo para casa. Numa cena eloquente quanto ao que se quer acreditar, apesar da verdade, ela diz a Graham, que Anthony a visitara na véspera da sua morte, enchendo-lhe o frigorífico de alimentos. Quando fora o próprio Graham quem o fizera enquanto a progenitora persistia no seu estado habitual de alcoolismo.
Reconhecimento não é o que faltará a Ryan por parte do pai com quem vive. E o seu racismo, que o leva a humilhar um casal negro apalpando a mulher à frente do marido, tem por causa a revolta por não conseguir um tratamento adequado para o pai roído pela dor. Um pai que tivera um negócio e sempre tratara decentemente os empregados de cor, mas acabara falido por causa das leis da discriminação positiva.
A Hanson ele dirá que a vida de polícia não tardará a endurecê-lo, a suavizar-lhe esse comportamento politicamente correcto. «Julgas que te conheces, mas enganas-te», diz-lhe à despedida.
Mas é ele próprio, quem terá direito a uma lição de vida, quando lhe caberá salvar a vida à mulher (Thandie Newton) que molestara. E cujo acidente de viação muito deve à perturbação nela suscitada pela violação, que sofrera.
E que tanto perturbara igualmente o marido, o realizador de televisão, Cameron (Terrence Howard), subitamente confrontado com novas evidências de uma segregação social subtil, mas incontornável em tudo quanto roda no estúdio.
Mesmo para os negros privilegiados, a cor da pele acaba por ser um estigma.
Mais difícil é obviamente para os dois rapazes, que assaltam brancos nas avenidas mais frequentadas da cidade. Peter (Larenz Tate) e Anthony (Chris Ludacris Bridges) recorrem, como alibi, às desigualdades suscitadas pelo sistema, mas o verdadeiro motivo dos seus ataques é arranjarem carros para negociar com um receptor sem escrúpulos.
Existe, enfim, o casal de brancos, Jean (Sandra Bullock) e Rick (Brendan Fraser), que detém uma invejável qualidade de vida, mas vivem a insegurança de um assalto à mão armada, que os terá deixado mais conscientes das suas fragilidades.
Ele, enquanto político, com apoios imprescindíveis na comunidade negra, não prescinde de distorções à realidade, desde que nada ponha em causa a sua reeleição. Mesmo que, para tal, mascare em crime racista os disparos de um agente da Brigada dos Narcóticos contra um polícia comprovadamente corrupto.
Ao contrário da primeira parte, os personagens começam a tocar-se, estabelecendo elos fundamentais para se sentirem com coragem para os desafios futuros…
É o que sucede com os dois casais - o branco e o de cor -que encontram alguma coragem para voltarem a trilhar dentro e fora de casa o equilíbrio necessário para continuarem a sobreviver naquele ambiente em que se vive continuamente à beira de um ataque de nervos.
Singular é o quase silêncio da crítica a propósito de um filme que, na temática e na estrutura, lembra «Magnólia». Apresentando uma América fragilizada pelo clima de guerra civil em nada consonante com a visão dela colhida por pelo seu lamentável Presidente, demasiado autista para compreender quão fundamental é começar a arrumar a própria casa antes de tentar arrumar a dos outros.

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