terça-feira, setembro 06, 2005

FRANÇOIS CHENG: A CHINA E NÓS

O «Nouvel Observateur» anda a entrevistar alguns mestres pensadores de algumas das principais culturas mundiais. Um deles foi o francês de origem chinesa François Cheng, que ocupa uma das cadeiras da célebre Academia.
A sua provecta idade faculta-lhe uma lucidez, uma capacidade de distanciamento, que se conota com a sabedoria mais profunda. Eivada dos fundamentos de um budismo, que se entrelaçou com a herança cartesiana ocidental. O resultado é o que fica aqui subjacente a partir de alguns dos principais extractos dessa entrevista:
Para um chinês, a paisagem não é apenas uma paisagem. É o sítio onde ocorre a vida verdadeira, onde o espírito do universo e o espírito do homem entram em simbiose.
Na pintura chinesa há, quase sempre, menos preto, que cinzento ou branco. Em compensação, os artistas europeus, desde a Renascença, parecem muitas vezes impacientes por ocuparem todo o espaço da tela. Para a filosofia chinesa o Vazio é o Sopro vital, que conduz todos os seres para a dança do Yin e do Yang, desde as Origens. O Vazio, ao simbolizar tudo o que se passa entre as entidades vivas, é tão real como essas entidades. (…)
Para os mestres como Chu Ta ou Shitao não se trata de representar ou imitar a natureza, mas de participar no grande movimento da criação. A partir da ideia do Sopro, o pensamento chinês avançou uma concepção unitária e orgânica do universo onde tudo se liga e apoia. Sendo o homem animado pelo mesmo Sopro, que move tudo o resto, os seus actos criativos estão necessariamente relacionados com os de todo o universo vivo. «Antes de pintar um bambu, deixa-o começar por crescer em ti!», aconselha Su Tung-po no século XI.
Alguns pintores ocidentais podem representar uma árvore começando pela sua folhagem; para eles a árvore começa por ser uma massa, fascinando a sua atenção pela sua plasticidade escultural. Para um chinês, é impensável: é-lhe natural começar pela base do tronco e pintar no sentido ascendente. O seu pincel liga o movimento de crescimento da árvore através do traço. (…) Matisse inspirou-se nessa forma de ver: «Como dizem os Chineses, quem quiser desenhar uma árvore deve saber crescer com ela. (…)
Todos os elementos da natureza podem aplicar-se à mulher. Assim como as metáforas utilizadas pela poesia chinesa, as colinas, os vales, as nuvens, as brumas, os rios, as pérolas e, sobretudo, os jades, todos os reinos da Natureza evocam-nos o feminino. A consciência da beleza é uma conquista do espírito, porque a verdadeira beleza não provém da aparência, mas do próprio ser em si. Do Ser, nunca do Ter. (…)
Num mundo dominado por convulsões e violências cegas, temos de comprovar a persistência da beleza. Apesar de tudo! É or ela que adquirimos o sentido do divino, do sagrado, ou seja o sentido de tudo! Olhem para a beleza da mulher: estão a ver a beleza da natureza... Ou o rosto humano, essa obra-prima. E todas as belezas provenientes da alma.
O universo não é obrigado a ser belo, e, no entanto, é-o...

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