quarta-feira, fevereiro 27, 2019

(C) Quando precisamos de inventar um Universo para fazermos uma tarte de maçã


Ao iniciar a leitura de «História da Origem—A Grande História de Tudo» veio-me à memória um colega, que conheci nos primeiros anos das minhas viagens marítimas. António Leitão, assim se chamava, era uma espécie de hippie retardatário, que assumia a intenção de trabalhar alguns meses por ano como oficial da marinha mercante para financiar as atividades a que estava ligado em terra, relacionadas com o que era então uma originalidade extravagante: um ideário ecológico.
Havia um paradoxo singular: das duas ou três vezes, que integrámos a mesma tripulação, os navios em causa eram petroleiros, cujo potencial poluidor era então muito maior do que atualmente o permite a legislação internacional. Mas o Leitão também tinha uma outra conceção interessante, que veria depois plasmada no pensamento de Edgar Morin: depois de todos os saberes acumulados na Antiguidade se terem aglutinado na Filosofia grega, haviam-se  dissociado em diferentes disciplinas, com elevada especialização em cada uma delas, urgindo reagrega-los em sentido contrário para possibilitarem leituras transversais mais aprofundadas.
No fundo, e aplicando a lógica da Segunda Lei da Termodinâmica, a da Entropia, o saber estruturado numa única disciplina há dois mil e quinhentos anos tendera para a desordem e procurara recuperar a sua consistência através de progressiva complexidade. Isso suscitara uma constatação possível nos idos dessa década de 1970 do século passado: alguns conceitos de diferentes disciplinas possuíam o mesmo argumentário lógico, mas adotando designações completamente diferentes, e em aparência nada tendo a ver umas com as outras.
O que David Christian faz com esta viagem por 13 800 milhões de anos ocorridos desde o Big Bang decorre do que o António Leitão pressupunha como fundamental: associar os saberes das várias ciências e conseguir uma interpretação tão científica quanto possível de como ter-se-á manifestado a evolução do nosso universo. Divide-a em quatro partes: o Cosmos, a Biosfera, Nós e o Futuro, possibilitando-nos a revisão ou a clarificação de tanto conhecimento acumulado pelas gerações dos cérebros humanos, que nos antecederam.
Infelizmente o António Leitão nem sequer suspeitou do que as décadas seguintes iriam significar na consagração do que, então, entendia como necessário: numa estadia em São Tomé foi apanhado ocasionalmente entre fogos de duas fações, que se combatiam durante um inesperado golpe de estado, e acabou mortalmente baleado numa valeta da capital da ilha.
(O título deste texto tem a ver com uma citação de Carl Sagan inserida neste livro)

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