terça-feira, fevereiro 12, 2019

(DIM) A extraordinária Marceline


Marceline Loridan morreu em setembro passado, e a Cinemateca tem vindo a homenageá-la ao longo deste mês com a retrospetiva dos filmes em que interveio como realizadora, quase sempre em parceria com aquele que foi o grande amor da sua vida: Joris Ivens.
Nesta segunda-feira foi, igualmente, exibido o documentário feito no ano passado por Cornelia Dvorak, que lhe acompanhou os dias de nonagenária, quer em casa a preparar mais um livro autobiográfico para relatar as suas riquíssimas experiências de vida, quer no convívio com amigos e admiradores, a muitos dos quais autografava as obras, que não se escusava a ir divulgando.
Sobrevivente de Auschwitz-Berkenau traria dos campos da morte uma frieza, que nunca a abandonaria. Quando quase todas as que ali conhecera, e haviam escapado à Solução Final, logo se tinham a apressado a ser mães como forma de ressuscitarem para a vida, ela nunca a tal se predispôs, como se o corpo recusasse gerar outra potencial vítima de um tal horror. Depois, autodidata, aprenderia tudo sobre literatura e cinema nos cafés parisienses onde passava tardes inteiras, entrando muito naturalmente como atriz nos primeiros filmes da «Nouvelle Vague».
Conheceu, então, Joris Ivens e nunca mais se largariam até à morte dele. Bastante mais velho que ela, o holandês começara a filmar ainda no cinema mudo e prosseguira a atividade criativa, sempre norteado pelos ideais comunistas, que o levariam a filmar a guerra de Espanha, a Revolução Chinesa nas diversas fases e a resistência vietnamita à agressão imperialista. Ho Chi Minh, que lhe vira os números tatuados no braço, dera-lhe rédea solta para percorrer todo o Vietname não se incomodando com as minissaias, então mal vistas pela ideologia vietcongue. Nesse cenário de guerra na Indochina os riscos de vida eram quotidianos, porque o casal aproximava-se o mais possível da frente de combate para melhor dar testemunho do que ali ocorria. Quando confessava medo ao companheiro, ele sossegava-a com a frase “nenhuma bomba traz o teu nome, Marceline!”
Embora já muito trôpega, a cineasta mantinha uma inquebrantável lucidez nesses derradeiros meses de vida. E ciosa da sua sempiterna imagem de ruiva, preservava-a nas frequentes idas à cabeleireira. A mensagem que nos legou à despedida é daquelas que nunca devemos esquecer: repudiemos o medo, e vivamos tão intensamente quanto possível!
Ao depararmo-nos com o genérico final só podemos constatar, que estivéramos a conhecer um pouco melhor uma extraordinária mulher!

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