sexta-feira, fevereiro 22, 2019

(DIM) Homenagem a Bruno Ganz


Bruno Ganz morreu há uma semana e a ARTE dedicou-lhe uma das suas noites temáticas, possibilitando o reencontro com «As Asas do Desejo», um documentário sobre o seu percurso biográfico e profissional e um concerto em que deu a voz à obra composta por Beethoven para abrir uma representação da peça «Egmont» de Goethe.
Usufruída a experiência saí dela ainda mais rendido a um ator, conhecido no final dos anos 70, em «O Amigo Americano», que me desvendou, igualmente, o universo literário de Patricia Highsmith.
No balanço de todo o seu percurso na vida, nos palcos ou nas rodagens de filmes, podemos admirar-lhe o talento natural, que o dispensou de formação prévia nas artes cénicas, porque a colheu com os grandes encenadores (Peter Zadek, Peter Stein, Luc Bondy entre muitos outros) com quem trabalhou nos palcos de Bremen ou de Berlim (mormente no prestigiadíssimo Schaubuhne), tal qual viria a superar-se no cinema ao colaborar com Wenders, Handke, Schlondorff, Herzog ou Angelopoulos (neste caso no maravilhoso «A Eternidade e um dia»).
O grande público lembrar-se-á dele, sobretudo pelo desempenho do patético Adolf Hitler em «A Queda» (2004), mas todos os extratos das peças e dos filmes, agora revistos, só confirmam o que sabia: cada personagem merecia-lhe uma preparação esforçada, depois traduzida num desempenho perfeito.
Embora haja disponível no youtube a versão de «Egmont», que Ganz interpretou sob a direção de Claudio Abbado em 1976, é curioso comparar essa versão com a de 2012, com que pudemos agora deliciar-nos. Embora já muito doente - morreria daí a ano e meio - o maestro italiano há muito encontrara a quinta essência do seu saber. Nos concertos dispensava as pautas, porque retinha na memória as notas que nelas tinham sido registadas. E aquelas mãos moviam-se com uma leveza etérea, que mais ninguém consegue replicar. Quanto a Ganz, encontrara uma maturidade na dicção dos textos de Goethe, que antes ainda eram ditos com competência, mas sem a expressividade depois assumida. Sobretudo porque as palavras viam-se emitidas com uma pujança, que a língua alemã melhor possibilita. Num e noutro caso ambos demonstraram nesse concerto quanta diferença há entre o enorme talento e a sua exponencial alavancagem pelo saber de experiência feito.
Na redação de hagiografias necrológicas costumam-se utilizar muitos lugares-comuns que, de tão repetidos, perdem toda a relevância. Por isso de Ganz dever-se-á apenas assinalar que, com a sua morte, desapareceu um Ator com maiúscula, de quem sempre lamentaremos ter-nos ficado por descobrir quase toda a sua obra...

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