Em «Ideologia Alemã» já Karl Marx defendia que aquilo a que chamamos Natureza, não corresponde em nada ao que julgamos sê-lo, porque é já um espaço «trabalhado» pelo Homem e talvez apresentado a posteriori como um «espetáculo natural».
Desde a Revolução Industrial, que se passou a olhar para o mundo em geral como o produto do engenho humano para o utilizar à medida dos seus interesses. Nesse sentido dificilmente se encontra ainda uma parcela selvagem no planeta, que não esteja a ser artificialmente transformada. O risco de extinção de tantas espécies sugere a possibilidade delas apenas virem a subsistir nos jardins zoológicos e nos parques a eles aparentados.
O que Virginie Maris constata no seu livro «La Part Sauvage du Monde» é a prevalência de um discurso que dá a Natureza como morta neste Antropoceno, havendo quem olhe para o futuro próximo como a «oportunidade» para tomar, sem pejo, os comandos de um sistema-terra inteiramente modulado pelos humanos. O atual governo brasileiro saído da eleição presidencial, que deu a vitória a defensores da legitimidade de se apropriarem da Amazónia e de a transformarem á medida dos interesses dos seus apoiantes, é um bom exemplo, que se exprime com a mesma convicção noutras coordenadas geográficas.
Contrariando essa perspetiva Virginie Maris reabilita a ideia de Natureza e a urgência de se preservar o mundo selvagem. Para tal revisita os atributos da Natureza que os fantasmas prometeicos do controle total se esforçam por negar: a exterioridade, repensando a fronteira entre ela e a cultura; a alteridade, que reconhece aos não-humanos o direito de construírem o seu habitat, como nós arquitetamos o nosso; e a autonomia, que equivalha a respeitar e a valorizar mundos múltiplos.
No contexto da atual crise ambiental há que limitar a influência humana nos frágeis equilíbrios do planeta, recuperando o respeito pela indócil natureza que povoa as nossas paisagens e imaginários - a outra face da nossa Humanidade.
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