sábado, agosto 13, 2016

(V) Um filme desconcertante

Confesso ter ficado surpreendido logo às primeiras cenas de «Raparigas de Sucesso» de Mike Leigh, já que nada sobre ele sabia a não ser que o realizador me agradara por alguns títulos anteriores («Segredos e Mentiras») e posteriores a este («Topsy-Turvy», «Vera Drake», «Happy-go-Lucky», «Another Year» ou «Mr. Turner»), que foi rodado em 1997.
«Career Girls» é a história de duas jovens mulheres, que se reúnem seis anos depois de terem deixado de partilhar um apartamento em Londres, quando ainda aí estudavam.
O meu desconcerto inicial - que não se atenuou por aí além no resto do filme - é fazer da banalidade das conversas, das ambições e dos quotidianos dessas personagens, o tema da história, tanto mais que ambas são a ser modo disfuncionais: Annie, tinha o rosto permanentemente manchado pelos efeitos das alergias de que padecia, enquanto Hannah não se conseguia livrar da relação complexada, que vivia com a mãe (que nunca chegaremos a conhecer), sempre a preferir-lhe a irmã, apesar de ser ela a resolver-lhe todos os problemas do dia-a-dia, sobrecarregados pela sua condição de alcoólica.
Alternando entre flash backs dos quatro anos em que tinham vivido no mesmo apartamento e as cenas do presente em que andam á procura de um novo apartamento para Hannah, elas vão reencontrando os personagens, que tinham sido momentaneamente importantes nas respetivas vidas.  Um deles, e bastante mais desadaptado à quotidianidade, é Ricky Burton, um gago e obeso, que desaparecera quando se atrevera a confessar a paixão a Annie, criando-lhe problemas de consciência quanto às desastrosas consequências dessa rejeição.
Mas nem só os personagens do passado vêm ao reencontro com elas e lhes dão conta de uma quase universalidade nos desvios aos padrões de normalidade a que estamos habituados: um dos vendedores dos apartamentos, que elas visitam, é um pornógrafo de que quase têm de fugir a sete pés tão ostensiva é a tentativa de assédio em levá-las para a cama.
Noutra visita encontram um antigo namorado de ambas, que tinha sido repudiado por não pretender compromissos matrimoniais, e agora, completamente aburguesado, revela-se conformado pai de família.
Durando a visita de Annie apenas um par de dias, esse reencontro com Hannah acaba por revelar o impasse afetivo e profissional em que se encontram, nenhuma delas tendo cumprido os sonhos de alcançar uma carreira correspondente à expectável quando ambas frequentavam a universidade, nem sequer de terem conseguido criar uma família convencional.
Quando se despedem no cais da estação, que devolverá Annie à sua cidade de província, marcam um reencontro para uma data indefinida, que adivinhamos venha a ser um sem nunca à tarde.



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