quarta-feira, agosto 10, 2016

(L) «A Lição do Mestre» de Henry James

Paul Overt acaba de chegar a Londres, donde se manteve afastado nos últimos anos devido à doença da mãe, com quem andara a procurar paliativos na Riviera, nos Alpes e no Colorado.
Porque o seu romance «Ginistrella» está a colher sucesso junto dos leitores e da crítica, recebe um convite para passar um “esplêndido domingo” em Summersoft, a velha casa de campo da família Watermouth e onde terá a oportunidade de conhecer pessoalmente um escritor, que muito admira: Henry St. George.
Não lhe são indiferentes as reservas da crítica, que o acusam de “ceder demasiado a maneirismos” e de já não encontrar nos seus últimos romances o fulgor das primeiras obras, mas Overt ainda está longe de confirmá-lo como um “grande romancista perdido”.
Mas, mais importante do que St. George, Paul vai conhecer a bela ruiva Marian Fancourt, filha de um general há pouco regressado das Índias: “os traços do seu rosto eram os de uma mulher crescida, mas a criança ainda vivia na sua compleição e na doçura da boca. Ela era, acima de tudo, natural - isso era agora inegável; mais natural do que ele inicialmente supusera, talvez devido ao seu traje, que era convencionalmente inconvencional, sugerindo o que ele poderia ter descrito como espontaneidade tortuosa” (pág. 79)
Instigada por Marian, St. George lê o romance do jovem e não poupa nas palavras para lhe bajular o talento: “Não sou muito otimista, sabe, em relação a tudo o que se anda a fazer. Mas você tem de ser melhor… tem mesmo de superar-se. Eu não o fiz, claro. É muito difícil … esse é o maior problema de todos: superarmo-nos. Mas vejo que você será capaz. Será uma grande desgraça se não o fizer” (pág. 89).
Nas semanas seguintes Paul vive a dualidade entre o incentivo de St. George e a avassaladora paixão por Marian, completamente diferente de tudo quanto até então conhecera, mas a excessiva proximidade do escritor mais velho com ela inquieta-o, apesar de o saber casado com uma mulher, que reconhecia ser o seu esteio. Mas ouve-o a incentivar sempre essa dedicação plena ao talento, que o lisonjeia: “ A sensação de ter feito o melhor … aquela sensação, que é a vida real do artista e cuja ausência é a sua morte, de ter extraído de um instrumento intelectual a música mais bonita que a natureza nele escondeu, de o ter tocado como deve ser.” (pág. 110)
Por isso St. George procura convencer o pupilo a não imitá-lo naquilo que lhe terá feito perder essa capacidade para se suplantar e o terá obrigado a conformar-se com os padrões convencionais: “Tudo o que lhe digo é que os filhos interferem com a perfeição. Uma esposa interfere, O matrimónio interfere.” (pág. 111)
Apesar de se sentir tentado a declarar o seu amor a Marian, Paul acede a abdicar da felicidade pessoal para não afrontar a sua arte. Por isso parte de Inglaterra e vive dois anos entre a Suíça e a Itália para criar obra ainda mais conseguida que a anterior.
Algures no seu voluntário exílio chega-lhe a notícia da inesperada morte da srª St. George, o que deveria tê-lo alertado para a que tanto o irá perturbar no seu regresso a Londres: está iminente o casamento do seu mestre com aquela que nunca conseguira esquecer. E é inevitável o que sente: “A amargura e a ira da surpresa cresciam e ferviam nele quando pensava na deferência, na devoção, na credulidade com que escutara St. George”. (pág. 122)
Estamos, pois, perante um triângulo amoroso, que se resolve em desfavor do inocente protagonista, vitimado pelo cinismo de um suposto guru, cujas opiniões e conselhos apenas terão tido por objetivo afastar um rival. Ou será que St. George acreditava mesmo na sua prosápia e se «sacrificaria» ao matrimónio com a bela Marian para propiciar ao pupilo a exclusiva devoção ao seu talento?

- todas as citações são retiradas do conto inserido no volume «Daisy Miller e Outros Contos» publicado em 2008 pelas edições vega

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