sábado, agosto 06, 2016

(L) Apostar ou não numa vida intensa



 Saiu há pouco tempo em França um ensaio da autoria de uma dos seus mais promissores filósofos, Tristan Garcia, que decidiu aprofundar uma das grandes preocupações do nosso tempo: a busca da intensidade. Ora, chegado há poucas semanas aos sessenta anos, avancei para esta nova década de vida com a perspetiva de, nela, prosseguir o sentido que dou ao que Garcia intitula como Vida Intensa». Daí o meu interesse pelo assunto: é que já tenho uma catadupa de experiências para viver nos próximos anos e eles começam a parecer-me de menos para o quanto importa vivenciar. Como diria a avó do José Saramago, também eu considero a vida tão bonita e tenho pena de a ver acabar-se!
Para Garcia a vida intensa é a tentativa de sentir interiormente que se têm experiências capazes de suscitarem um autêntico choque interior, derivem elas do amor, do trabalho, do lazer ou, de quem nisso acredita, da espiritualidade. O inimigo a combater é o tédio. E ganhou verdadeira expressão quando o homem acedeu a uma das suas descobertas mais transformadoras: a utilização coletiva da eletricidade.
A velocidade, o progresso, o crescimento, a  aceleração, etc. tomaram conta das nossas vidas como se elas se convertessem em carruagens de uma montanha russa.
Nascido em 1981. o filósofo lembra como, de repente, a corrente elétrica substituiu a água de um rio como imagem do futuro: “a eletricidade tornou-se numa espécie de água invisível, alojada no próprio centro da matéria e qualificada numa primeira fase como ‘fluido subtil’: uma água de fogo capaz de misturar as características da primeira (movimento e  fluidez) com as do segundo (calor e luz) para formar uma energia até então desconhecida.”
A partir do século XVIII a modernidade tornou-se elétrica e iniciou-se este período de intensidade. O que nos leva a arriscar a possibilidade de diminuirmos o nosso tempo de vida, quando tudo fazemos para o aumentar. Por isso Garcia propõe que a sabedoria está em quem evita os picos altos e os desfiladeiros mais abruptos, com os seus humores e paixões. Por isso mesmo deve-se aplanar as intensidades do quotidiano, celebrando sobretudo a sorte de se estar vivo.
Quando se mede a intensidade de uma existência avalia-se se ela  realizou-se nos seus objetivos em maior ou menor grau, como se lembrasse uma cor, que pudesse ser mais viva ou mais baça.
Ela não é uma qualidade estável, mas antes o que se sente como comparação: a queda livre consegue ser uma experiência muito forte, mas se a praticarmos todos os dias durante trinta anos, tornar-se-á extremamente aborrecida. É por isso que a ética moderna da intensidade obriga o indivíduo a nunca estar parado, a esquecer a perspetiva de repouso. Salvo se for um émulo de Oblomov, o personagem de Goncharov, que conseguia encontrar um autêntico deleite na preguiça.
Quem quer uma vida intensa está condenado ao fracasso, porque sempre surgirá o momento em que a rotina o impõe. E esse é o desafio que se deve combater: a inevitável tendência para regressar aos padrões do passado, quando se sentia resignação perante o que era imutável.

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