domingo, agosto 28, 2016

(L) «Como la sombra que se va» de Antonio Muñoz Molina

Antonio Muñoz Molina balizou o seu livro entre duas datas essenciais: 4 de abril de 1968 e a de 1 de janeiro de 1987.
A primeira dessas datas foi a do assassinato de Martin Luther King, cometido por James Earl Ray, que seria capturado dois meses depois em Londres, depois de ter passado por Lisboa durante uma semana.
A segunda data é a da vinda do então jovem escritor para a capital portuguesa, onde contava imbuir-se do ambiente necessário para credibilizar um romance em fase de projeto: «Inverno em Lisboa».
Estamos assim num livro que mistura memórias com a ficção, que tanto parece um policial como logo deixa crer na possibilidade de se tornar numa reflexão sobre o que é escrever um romance, a culpabilidade ou a germinação do amor.
Numa entrevista dada este fim-de-semana ao «Libération», Molina classifica o livro como o processo de uma educação sentimental e estética, vista através de duas histórias diferentes - a dele e a de James Earl Ray - no mesmo espaço geográfico. E conta-se como se tornar escritor, quando se é jovem, como se muda a própria vida e como essas mudanças se relacionam com a biografia pessoal. “Porque a escrita não é feita no vazio, faz parte da vida do escritor”.
Quatro anos depois tudo mudou na sua vida: a família de então (mulher e três filhos) e o emprego no município de Granada já ficaram para trás e a aposta está definitivamente radicada na literatura, com romances de sucesso já publicados ou a caminho de o virem a ser.
Pretendendo identificar e descrever a textura da realidade, Molina descreve o ofício do escritor como se escrevesse num estado de sonambulismo lúcido e criasse ambientes marcadamente influenciados pelos filmes norte-americanos. Ou seja, com jazz, álcool, haxixe, bandidos, detetives e espiões.
Mas a influência de Georges Simenon também não é de desprezar, mesmo no tipo de personagens que parecem sentir-se estranhos onde quer que estejam e dotados de um segredo, que com ninguém pretendem partilhar.
O livro, ainda por publicar em Portugal, tem em Lisboa uma das suas “personagens” principais e que Molina define como “uma cidade tranquila e ao mesmo tempo cosmopolita. Quando se está no Terreiro do Paço nas escadas onde estudantes descem para o rio, sentimo-nos numa metáfora perfeita da viagem. Vemo-nos no começo do resto do mundo”.

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