terça-feira, agosto 30, 2016

(V) «A jovem noiva» de Alessandro Baricco

Ao falar do seu livro, o escritor italiano refere a influência do realismo mágico, ainda que temperado com assumida racionalidade. Talvez o aspeto mais singular onde tal sugestão mais se evidencia é no terror vivido pela família decadente de Lampedusa, em que todos se deitam ao crepúsculo, temerosos de terem encontro com a morte nessa mesma noite. É que a tradição familiar dita ter sido assim que aconteceu com os antepassados.
A catarse dos medos noturnos faz-se pelos grandes banquetes, que preenchem grande parte dos dias, pois iniciando-se ao pequeno-almoço prolongam-se até a tarde já ir avançada. Vale-lhes Modesto, o mordomo, que tudo vigia para que a felicidade seja um estado permanente dos convivas.
É nessa casa que se instala a jovem esposa do filho da família, não o encontrando por ele estar em Londres. Aos dezoito anos ela deixara a Argentina e o pai incestuoso, que se matara ao constatar-lhe a fuga, para ali conhecer a iniciação amorosa de diversas formas e pelos diferentes elementos da família. Trata-se, pois, de novela libertina, construída como se escrita na grande época classicista e onde tudo parece envolvido pela ambiência fantasiosa. É nela que se enquadra esse tio sempre adormecido, que só desperta momentaneamente para proferir sibilinos oráculos.
Baricco tem um conhecimento profundo da música clássica para imitar literariamente as suas construções mais complexas, ao surpreender e despistar o leitor com as sucessivas mudanças de perspetiva, como se tudo integrasse um labirinto capaz de o distrair do sentido metafórico que lhe está subjacente.
A casa familiar onde tudo se passa está a viver uma irreversível decadência e os seus ocupantes adivinham-na a inquietante distância. Mas enquanto o amor for vencendo a noite, cada dia acaba por representar um ganho...

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