sexta-feira, agosto 12, 2016

(V) A revisitação de uma obra-prima

Há muito que descobri como mudam as obras consoante as alturas da vida em que as apreciamos. Por isso mesmo elas tornam-se distintas do que as ajuizávamos e, amiúde, quase parecem novas, como se as visitássemos pela primeira vez.
Confirmei essa sensação com «Barry Lyndon», que o Ideal Paraíso nos devolveu em esplêndida cópia restaurada, embora, incompreensivelmente, legendada em brasileiro.
A primeira vez que vi o filme ativera-me na sua história sobre a vida de um arrivista, que muito lentamente consegue subir na escala social, mas rapidamente dela cai abruptamente, por culpas próprias, mas também muito por causa da inaceitabilidade da sua pessoa num meio elitista onde só fora tolerado. A fotografia agradara-me bastante, lembrando-me os quadros dos grandes paisagistas ingleses do século XVIII, mas fora apenas mais um condimento para um título, que não me atreveria a colocar ao nível dos que mais me haviam agradado no realizador - o «2001 Odisseia no Espaço» e «Laranja Mecânica».
Agora, com outra maturidade, vi o filme com um enorme prazer, nada comparável com a bonomia com que o apreciara umas décadas atrás. Bastou para isso ter outra disponibilidade mental, sem grandes inquietações que me distraíssem da simples fruição da sucessão de fotogramas.
A história em si, pouco me interessava, até por dela me lembrar com nitidez. Mas olhar para cada movimento de câmara, para a sábia interligação entre a música e a ação que a acompanhava e para a forma como, ainda sem os meios técnicos hoje disponíveis, Kubrick fixou alguns planos como se de quadros da época se tratassem, fez-me compreender que me deparava com bastante mais do que um bom filme: a exemplo de algumas obras a revisitar, «Barry Lyndon alcança o estatuto de obra-prima.
Poderemos queixar-nos da lentidão, mas ela é bem diversa da de um Manoel de Oliveira, definitivamente sobrevalorizado pelos seus cultores. A de Kubrick ajusta-se ao ritmo da época, quando tudo se passava devagar e os dias prolongavam-se nas noites iluminadas a luzes de velas - e aqui fica a referência à proeza técnica de uma fotografia obtida graças ao empréstimo pela Nasa de uma câmara especialmente concebida para captar imagens no espaço. A lógica dessa lentidão é a mesma que levava «Laranja Mecânica» a  ser fulgurante ou «Nascido para Matar» aos solavancos inerentes ao clima de violência em que assentava.
Há quem lembre que, na época, Kubrick levava o perfecionismo ao ponto de demorar um dia inteiro para rodar uma única cena o que explica os longos meses de ocupação dos atores e da equipa técnica pelos vários cenários escolhidos pela produção. Razões injustificadas, mas fortemente utilizadas pela imprensa da época, para zurzir no filme, que constituiu um flop na obra de Kubrick.
No entanto, ele vem sendo recuperado como tratando-se de um dos títulos fundamentais no cinema da década de 70 e reentra com justiça no catálogo das grande obras da sétima arte.



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