terça-feira, julho 03, 2007

«Janela da Alma», filme de João Jardim e Walter Carvalho

É um filme sobre o olhar. Surpreendente pela sua diversidade, sejam elas as histórias de alguns dos entrevistados, sejam as ideias em que outros primam.
O que está em causa é a questão: o que é o olhar? Poderá ser o espelho de uma alma, que todos pressentem, mas nenhum consegue definir? Ou não é nada disso, já que, para os cegos, esse olhar para o exterior substitui-se por um olhar de dentro, que permite uma maior acuidade em muitos aspectos.
Há algumas redundâncias: às tantas Wim Wenders e José Saramago estão a dizer exactamente o mesmo, ainda que por outras palavras. Mas compreende-se que, mesmo com 36 horas de material bruto, resultante de cerca de 50 entrevistas, João Jardim e Walter Carvalho não tenham prescindido de dois discursos tão inteligentes quantos os referidos. Porque eles falam do excesso de imagens, da inundação de dados, que nos põe em perigo a compreensão do que está à nossa volta. Da cegueira colectiva, que nos distrai do essencial, e que o Nobel português haveria de tão argutamente metaforizar no Ensaio em vias de ser traduzido em filme por Fernando Meirelles.
É ainda de Saramago uma história deliciosa e muito sugestiva sobre o tema do olhar: habituado a frequentar o S. Carlos, mas remetido para as alturas («o galinheiro») devido aos escassos recursos, deparava-se-lhe algo de paradoxal: um efeito decorativo no tecto do teatro parecia majestoso visto de baixo era horrível a partir da sua parte superior.
- Isso ensinou-me a ver sempre os dois lados da mesma realidade! - conclui o nosso prestigiado escritor.
Mas outros testemunhos são, igualmente, fascinantes: o de Hermeto Pascoal com a sua saborosíssima revelação do seu sucesso junto das «mininas lindas» a quem os seus olhos tortos confundiam, quanto à eleita da sua atenção; ou a de Agnes Varda a confidenciar os seus sentimentos contraditórios, quando filmava o companheiro de toda a vida, Jacques Démy, quando ele estava à beira da morte; ou a do vereador de Belo Horizonte, Arnaldo Godoy, quando conta como, já cego, estava numa praia deserta com a filha de um ano e as águas a levam, deixando-o em tal desespero, que os cabelos se lhe embranqueceram; ou a habilidade do filósofo Eugen Bavcar capaz de fotografar rostos apesar de não lhes divisar o mínimo sinal.
Um documentário fascinante sobre o olhar como o veículo ambíguo da nossa identidade...

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