terça-feira, julho 31, 2007

No desaparecimento de Ingmar Bergman

Não é que a notícia surpreenda: aos 89 anos, Ingmar Bergman despediu-se da vida, quando a ia recordando placidamente no seu refúgio na ilha de Faarö.
É claro que as notícias necrológicas já deviam estar preparadas em muitos dos jornais, porquanto se sucederam editoriais e artigos de fundo sobre o papel do realizador sueco na configuração de um tipo de cinema de autor da segunda metade do século XX.
Há nesses artigos uma citação muito curiosa, retirada de uma das raríssimas entrevistas facultadas por ele ao longo da sua vastíssima carreira. Dizia ele: «Sou um menino. Já o disse uma vez: toda a minha vida criativa provém da minha meninice. A razão porque há tanta gente a gostar do que faço +e porque sou um menino e falo-lhes como tal».
Essa meninice aparece bem explicita num dos seus títulos mais conhecidos - «Fanny e Alexandre» (1982) - aonde revisita o ambiente de austeridade luterana exigida pelo progenitor, que era pastor dessa religião. Talvez por essa ideia de Deus aparecer desde muito cedo associada ao sofrimento das tentações frustradas, Bergman nunca assumirá uma convicção plena a respeito da Sua existência. Pelo contrário, a sua posição é céptica o suficiente para considerar que, a existir de facto, Deus prima pelo silêncio. Remetendo o homem, essa quase aberração da natureza, para a solitária certeza da morte. Que aparecia representada de forma memorável em «O Sétimo Selo», decerto um dos filmes mais notáveis, que resgato de toda a já vasta História do Cinema.
Porque esse encontro fatal é incontornável os personagens de Bergman interrogam-se, confrontam-se. Sobretudo se tiveram a tentação da felicidade conjugal como estratégia de resposta a essa solidão derradeira e descobrem na incomunicabilidade, na distância inultrapassável entre identidades distintas a vacuidade dessa ilusão.
No entanto, se evocarmos o seu último filme - «Sarabanda» - podemos reconhecer no seu discurso a possibilidade de, em plena velhice, conquistar-se uma serenidade cúmplice entre velhos amantes tornando absurdas todas as inquietações do passado.
No fundo ganha relevância a lição por ele aprendida do seu velho mestre, Alf Sjoberg, para quem o que está meio escondido é bem mais eficaz no seu efeito de sugestão do que o plenamente demonstrado. Ou, por outras palavras, as dúvidas acabam por ser muito mais interessantes do que quaisquer certezas.
Terá sido, porventura, com essa sabedoria, que Bergman concluiu a sua partida de xadrez e se deixou arrastar montanha acima pelo vulto de negro vestido, que já concebera há meio século...

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