terça-feira, agosto 09, 2005

FILME:«BLUE IN THE FACE» DE WAYNE WANG E PAUL AUSTER

Estamos em Brooklyn, um dos bairros mais típicos de Nova Iorque. Dotado de uma cultura própria, que começa por ser descrita por Lou Reed, como única e insusceptível de atemorizar. Apesar dos muitos assaltos e homicídios aí rastreados todos os anos.
Numa das primeiras cenas Harvey Keitel - aqui a protagonizar o papel de responsável por uma tabacaria de bairro convertida em tertúlia de quem vive nas redondezas - deixa escapar um jovem delinquente, quando a vítima do seu furto ( Mia Sorvino) recusa a convocação da polícia para o prender.
As cenas subsequentes permitem compreender essa atitude de Auggie: tudo nele está a contracorrente dos cânones de uma atitude sensata. Ele ouve, por exemplo, a mulher do patrão (Roseanne) queixar-se da indiferença do marido e quase se deixa levar pelos seus beijos e abraços, que visam torná-lo cúmplice de uma fuga para Las Vegas. Ou promete a Violet (Mel Gorhan), que irá dançar com ela num sábado à noite e logo inventa para essa noite um álibi estapafúrdio.
Jim Jarmusch é outro que aparece na tabacaria a fumar o seu derradeiro cigarro e a conceptualizar ideias, mais tarde, traduzidas no seu «Coffee and Cigarettes». Cá fora um Michael J. Fox é um louco, de casaco e calções, que interroga um antigo colega de escola sobre Deus e outros problemas existenciais, até concluir com uma máxima definitiva: «Numa sociedade louca, o homem são deve parecer louco!»
Vários testemunhas abordam o acontecimento traumático, que mudou Brooklyn para sempre: a mudança da equipa de basebol, os Dodgers, para a Califórnia. Para garantir a especulação imobiliária dos terrenos aonde se situava o seu mítico estádio.
Algo de semelhante ameaça a tabacaria: atraído pela perspectiva de um bom negócio, Vinnie planeia vendê-la. Apesar da condenação de Auggie, que lhe faz ver a importância desse espaço de encontro na normalização do bairro. Por sorte, Dot convence-o, finalmente, a levá-la a Las Vegas. É de lá, que, reencontrado nos amores com ela adiados, Vinnie muda de ideias. Enviando a Auggie um telegrama cantado (ademais por Madonna).
Tanto basta para, em frente à loja, todo o bairro comungar num enorme «happening»: Auggie acaba por dançar com Violet e, nove meses depois, é ele quem oferece charutos aos amigos…
Apesar de curto nos meios, no tempo de rodagem e nos seus setenta minutos de duração, «Blue in the Face» é um belíssimo exercício, que nos devolve ao universo criativo de Paul Auster e ao prazer das histórias anónimas misturadas numa demonstração plena da especificidade de um bairro nova-iorquino a antípodas de distância dos valores da Quinta Avenida.

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