terça-feira, agosto 30, 2005

«DE TANTO BATER O MEU CORAÇÃO PAROU» de JACQUES AUDIARD


Aqui não há lugar para maniqueísmos nem para soluções estereotipadas. Entra-se num ambiente de quase guerra civil entre agentes imobiliários e squatters, aonde a violência está presente em cada dia.
Tom (um excelente Romain Duris) não tem escrúpulos em agredir ou em tornar inabitável os espaços pelos quais pretende fazer negócio. Os dias passam-se entre o escritório, os prédios em ruínas objecto do seu interesse e as discotecas aonde acaba por se embriagar e arranjar quem com ele passe a noite.
No seu meio é tido como um agente de sucesso, a exemplo do pai, ele próprio um empresário do mesmo ramo.
Uma noite o seu percurso de regresso a casa vai suscitar a perturbação no seu futuro imediato: à porta de uma sala de concertos vê Fox, o antigo agente da mãe. Sabe-se depois que Sónia fora uma pianista prometedora a quem o stress de não alcançar o som pretendido havia contribuído para um desenlace trágico.
E Fox, que dele se recorda como um miúdo talentoso, convence-o a vir a uma audição ao seu estúdio.
Eis um desafio que agrada a Tom: embora tenha abandonado o piano desde a morte da mãe, ele considera-se capaz de passar nesse exame. Consegue, para tal, a colaboração de uma pianista chinesa, recém chegada a Paris no âmbito de uma bolsa, e que se torna sua professora. Apesar de só falar chinês…
Numa abordagem típica do cinema hoje produzido em Hollywood não seria difícil imaginar o que se seguiria: do esforço resultaria um sucesso quer artístico, quer pessoal com a redenção comportamental do protagonista.
Audiard não facilita assim tanto: se é certo que começa a existir uma má consciência de Tom sobre o tipo de atitudes a que se vê profissionalmente obrigado (a última acção contra os squatters num prédio não têm dele o empenho de outrora), mas existem limites nesse tipo de redenção: por exemplo, acaba por revelar à mulher do colega a sua função de álibi para que ele a traia, mas acaba por dormir com ela…
E se acaba por se reciclar em agente da sua professora de música, os velhos fantasmas continuam-no a agitar: quando lhe surge a oportunidade de matar o mafioso russo, que lhe matara o pai, só hesita quando se trata de puxar pelo gatilho da pistola, porque o deixa muito mal tratado na escada de emergência para onde o empurrara…
À saída da sala talvez seja significativo um certo incómodo de quem o acabou de ver: não é um policial em que os bons prevaleçam sobre os maus, não existe uma história romântica em que nos possamos embalar e, quando se trata de abordar a arte musical, os personagens podem ter um destino trágico, padecer de esquizofrenia ou de paranóia, mas costumam compensar tudo
isso com a sua genialidade. Ora, aqui, o filme tem por protagonista um instrumentista banal como existem milhentos…

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