quinta-feira, agosto 18, 2005

A ESCRAVATURA NÃO É EXCLUSIVO DA EUROPA OCIDENTAL

Comecemos por Fernand Braudel: O tráfico negreiro não foi uma invenção diabólica da Europa. Foi o Islão que, desde muito cedo, em contacto com a África Negra (nas regiões do Níger, do Darfur e dos entrepostos da costa oriental), começou esse tráfico em grande escala, pelas mesmas razões ulteriormente utilizadas pela Europa para os imitar: a falta de homens para as tarefas mais pesadas e incómodas.
Outro historiador, Olivier Pétré-Grenouilleau, estima que, entre os séculos VII e XX, foram deportados 42 milhões de escravos.
Reconheça-se que desse tráfico, é o atlântico, o mais conhecido. Fundamentaram-no razões económicas, quer para holandeses, quer para britânicos, quer para franceses, quer para americanos. Entre 1450 e 1860, os 11 milhões de africanos deportados vão servir, sobretudo, para mão-de-obra nas plantações coloniais das Antilhas e do sul dos EUA (cana-do-açúcra, café, algodão, arroz…).
Mas há, de facto, esse tráfico anterior, praticado sem escrúpulos pelos mercadores árabes a partir do século VII. Essa exploração durou treze séculos e prolonga-se ainda hoje porquanto ainda está por abolir em certas zonas da Arábia Saudita.
E há o próprio tráfico africano: como no Médio Oriente, no Egipto ou na Grécia, a escravatura existia em África desde tempos muito recuados. Certos reinos africanos enriqueceram consideravelmente e desenvolveram-se ao venderem escravos capturados noutras tribos. Este tráfico interno, estimado em 14 milhões de indivíduos, é evidentemente difícil de estabelecer.
Se se fala, sobretudo, do tráfico atlântico organizado pelos Ocidentais, porque é a mais sistemática e a mais codificada. O esclavagismo colonial desenvolve-se a partir das descobertas marítimas dos séculos XV e XVI. É a primeira etapa do nascimento de uma economia mundial, que cria uma procura com um destino exclusivo para as Américas. O escravo negro torna-se então um factor de produção nas proporções até então desconhecidas, durante cerca de quatro séculos. No mercado, predomina a utilização de escravos masculinos, mais fortes e resistentes.
A escolha sobre escravos especificamente africanos tem diversas causas: resistência física, nomeadamente a adaptação ao ambiente epidemiológico americano aonde abunda o sarampo e a varíola, a força física, o custo, etc.
A opção pelos Africanos explica-se, igualmente, por hábitos já contraídos, durante dois séculos, nas plantações das ilhas do Atlântico e do golfo da Guiné, onde trabalhavam escravos negros. Estas razões, por muito injustificáveis, que sejam, não implicam um racismo prévio. O racismo não intervêm antes dos tráficos negreiros, mas depois, para o legitimar.
Os Estados criam companhias, que beneficiam de monopólios: os barcos partem de Anvers, de Bordéus ou de Londres com os porões carregados de mercadorias, que serão trocadas por escravos em África. Depois, com a sua carga humana, eles dirigem-se às respectivas colónias, donde regressarão carregados de produtos tropicais. Foi, assim, que se desenvolveram a Companhia Holandesa das Índias Ocidentais (1625), a Companhia das Índias Ocidentais (1664) e a Royal African Company (1672).
Até ao século XVII, admite-se que o tráfico para as Américas acontecia com um ritmo de 10000 escravos por ano, obtidos no Congo, em Angola, na Alta Guiné, na Senegâmbia ou no Benim. O desenvolvimento das plantações faz crescer a procura e quadruplicar o preço dos escravos no começo do século XVIII. Esta economia ligada à escravatura vai perturbar profundamente as sociedades africanas onde as razias e os raptos multiplicam-se para responder às necessidades dos negreiros.
Os barcos conseguiam transportar 450 a 500 escravos com uma tripulação de quarenta homens e as viagens duravam dois meses e meio. Estimam-se, pois, em 30000 as expedições negreiras atlânticas. Na origem os cativos eram tão baratos, que os negreiros não se preocupavam com o número de perdas ocorridas durante essas travessias. Mas, à medida que o tráfico se organiza, os preços sobem: o cativo passa a ser uma mercadoria preciosa. Então, para diminuir a mortalidade das suas «mercadorias», os negreiros só passam a embarcar os escravos com condições de saúde suficientes para atravessarem o Oceano. A maioria dos estudos estabelecem que, em geral, a taxa de mortalidade das expedições situava-se entre os 10 e os 20%
Hoje, a história dos tráficos negreiros, tanto tempo circunscritos a um parágrafo da história colonial, sai lentamente de um imaginário confuso. Tudo começou em 1969 com o aparecimento de «The Atlantic Slave Trade» do norte-americano Philip Curtin, que constituía uma abordagem quantitativa desse fenómeno. Dez anos depois aparecem novos estudos sobre os tróficos orientais. No futuro, há que aprofundar os tráficos africanos para que esta tentativa de história global desemboque sobre um conhecimento, que permita escrever enfim, na sua totalidade, um dos capítulos mais tenebrosos da história humana.

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