terça-feira, agosto 23, 2005

BARENBOIM E A WESTERN EASTERN DIVAN ORCHESTRA


Em 1999, Edward Said e Daniel Barenboim reúnem um grupo de músicos árabes e israelitas, assim como um punhado de artistas alemães para um concerto em Weimar por ocasião do 250º aniversário do nascimento de Goethe: uma experiência audaciosa em que participou, igualmente Yo-Yo Ma.
O nome da orquestra é retirado de uma antologia poética de Goethe, intiulado «O sofá ocidental-oriental», que recorda como o poeta alemão se interessava pela Pérsia e pelos países árabes.
O realizador Paul Smaczny acompanhou a orquestra desde a sua criação. Mostra os diferentes ensaios, a viagem de Barenboim ao Próximo Oriente em Maio de 2004 e o concerto dado em Rabat na presença dos membros da família do rei.

ENTREVISTA COM DANIEL BARENBOIM
Desde 1999, com os seus jovens músicos, dá o seu contributo ao diálogo entre Israelitas e Palestinianos. Como lhe aconteceu a ideia de criar nesse ano uma orquestra em Weimar?
Weimar simboliza para mim o que há de melhor e de pior na história alemã. O melhor é Goethe, que viveu aí durante muito tempo, e o pior é o campo de concentração Buchenwald situado a apenas cinco quilómetros de Weimar. Em 1999, esta cidade foi a capital cultural da Europa. Bernd Kaufmann, o delegado geral encarregado das actividades culturais da cidade, consagrou muita da sua energia a conceber um atelier musical ao quald emos o nome da obra poética de Goethe, «O Divã Ocidental– Oriental». Foi ele quem teve a enorme tarefa de estabelecer contactos do Cairo a Amã , passando por Damasco.
Que eco teve o vosso apelo?
Tivemos duzentas candidaturas provenientes do Egipto, da Jordânia, da Síria, de Israel e do Líbano. Fiquei agradavelmente surpreendido com a qualidade dos intérpretes e pensei que pudéssemos ir além de um pequeno atelier de música de câmara. Tanto mais que a maioria destes jovens músicos nunca tinham tido
experiência de orquestra.
Como conseguiu fazer evoluir essa estrutura de um pequeno atelier para uma orquestra permanente com tournées frequentes pelos quatro cantos do mundo?
Foi difícil. Porque, em 1999, nós tínhamos uma situação de «paz fria» entre o Egipto, a Jordânia e Israel, enquanto que Israel estava em guerra com o Líbano e com a Síria. Quer na Síria, quer em Israel, a lei proíbe aos seus cidadãos contactos recíprocos. Foi também o caso entre os Palestinianos e os Israelitas. Estes jovens músicos mostraram muita coragem ao virem trabalhar connosco. Quando foi rodado o documentário «Nous ne pouvons qu’atténuer la haine» muitos de entre eles tinham medo de mostrar o seu rosto á câmara.
O intelectual palestiniano Edward Said, falecido em 2003, trouxe-lhe um grande apoio…
É um homem insubstituível em todos os aspectos, que desapareceu. Alguém que sabia estabelecer laços entre todos os elementos que tocam o ser humano. Era um grande especialista da literatura, um músico que, a exemplo dos grandes vultos da Renascença, pensava em termos de interdisciplinaridade, sem renegar a sua própria identidade ou criticar a de outros exilados do mundo árabe. Ele compreendia o papel fundamental, que desempenha a música.
Como pode continuar com a orquestra?
No ano seguinte, Weimar já não era capital cultural e passámos por dificuldades financeiras. Recebemos um apoio da Chicago Symphny Orchestra, que dirijo desde 1991, mas em 2001 decidi fazer uma pausa de um ano para reflectir a sequencia a dar ao projecto - e também porque detesto a rotina e a recondução automática de certas iniciativas. Ademais, a segunda Intifada estava a começar e tudo parecia complicar-se. Foi então, que recebi uma chamada telefónica de Espanha, mais exactamente do governo autónomo da Andaluzia a oferecer-nos um enquadramento ideal para o nosso projecto, incluindo no plano financeiro, que nos levou a estabelecer a nossa sede em Sevilha.
Para o concerto de Ramallah o governo espanhol entregou a todos os membros da orquestra passaportes diplomáticos espanhóis, para facilitar a entrada na Cisjordânia...
Sim, considero-o um gesto visionário. Tanto mais, que as representações da França, da Alemanha e de Espanha em Ramallah ajudar-nos-ão quanto às questões do transporte. Porque não é possível chegar de avião á Palestina, vendo-nos obrigados a transitar por Israel ou pela Jordânia. Acreditem-me que é mais difícil de organizar um concerto ali do que em Paris.
Porque quis actuar precisamente em Ramallah?
Optámos por Ramallah porque acreditamos poder emitir dessa forma um sinal muito forte no sentido da solidariedade entre os homens. Não somos responsáveis políticos, queremos apenas lutar contra o desconhecimento mútuo. O que se passa actualmente custa-me muito. Estamos confrontados com uma situação de assimetria porque nenhuma nação ocupa desde 1967 territórios, que são reivindicados por outros.
Após a criação do Estado de Israel em 1948, a sua mãe desejou que toda a família deixasse Buenos Aires para emigrar para Israel. Em que é que o Israel de hoje é diferente do da sua infância?
Na época, Israel era um país povoado por pessoas que tinham sofrido terrivelmente, sobrevivendo ao Holocausto e aos progroms russos. Incrivelmente idealistas. Tinham o olhar virado para o futuro e queriam participar na construção deste país. A ruptura aconteceu em 1967 coma Guerra dos Seis Dias, porque transformámo-nos desde então, numa força de ocupação. Nenhum povo, incluindo o povo judeu, tem o direito de dispor de um outro povo. Durante mais de dois milénios, constituímos uma minoria que, por vezes, foi bem acolhida, mas também tratada frequentemente com crueldade. Devíamos saber que nenhum povo pode ter por missão ocupar ou controlar um outro. É preciso pôr um termo a esta situação. Não existe solução militar para este conflito. Devemos compreender que os destinos destes dois povos estão ligados e são inseparáveis. É a razão porque milito em favor do diálogo. Não se trata, para mim, de pôr em causa a fundação de Israel. Mas devemos tentar compreender os erros cometidos em 1948, o que foi prometido ao povo judeu e o que se é hoje.


O concerto de Ramallah de 21 de Agosto de 2005
No programa deste concerto excepcional a Sinfonia nº 5 de Beethoven e a Sinfonia concertante para instrumentos de sopro de Mozart, que raramente se consegue ouvir em concertos.
Este concerto de Ramallah encerra a tournée de 2005 da West Eastern Divan Orchestra, que a levou a São Paulo, a Buenos Aires, a Londres, a Edimburgo ou a Wiesbaden, para transmitir a sua missão de reaproximação entre árabes e israelitas através da música.
Para o seu chefe de orquestra e fundador o objectivo será alcançado quando ela puder actuar em todos os países donde são oriundos os seus instrumentistas. Nesse aspecto, o concerto de Ramallah marca uma etapa importante. Mesmo se Daniel Barenboim decidiu nunca evocar a política do Próximo Oriente durante os ensaios, eles servem de catalizador formidável por todos os recantos por onde actua, seja durante os concertos, seja depois deles.
Seis anos após a sua fundação, e enquanto a situação no Médio oriente continua tensa, o projecto da formação musical não perdeu a sua força. Todos os anos, no Verão, os jovens artistas encontram-se num atelier de várias semanas antes de iniciar a tão esperada tournée. A sétima sessão de trabalho do Divan aconteceu em Julho em Sevilha e teve como corolário a digressão pela América latina e pela Europa.

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