sexta-feira, maio 05, 2017

(DL) Porventura a única forma possível de imortalidade!

Há uma cena quase no final de «Soldados de Salamina» de Javier Cercas, que vem ao encontro de uma questão provavelmente incontornável em quem já chegou à condição sexagenária: o que ficará de mim depois de morrer? Sobretudo por não acreditar em aléns ditosos, depois de vencido o desafio de um qualquer juízo final.
Sabemos que Bergman, o cineasta sueco, passou por grave crise existencial a meio dos quarentas e decidiu mudar tudo quanto filmaria a partir daí. Precisamente por se lhe colocar, nessa altura, tal pergunta. Ou que Julião Sarmento, em entrevista hoje vista, justifica a arte como um desejo de deixar marca para quando já cá não estiver. Mesmo reconhecendo o quanto ela, igualmente, suscita um poder de sedução em outrem, enquanto vivo.
No romance do autor espanhol o velho Miralles, que passara pela Guerra Civil de Espanha e pela Segunda Guerra Mundial, alinhando com os derrotados na primeira, e com os vencedores na segunda, lamenta-se-lhe pelo facto de terem sido tantos os jovens da sua aldeia dispostos a vestirem a farda republicana para a defender do fascismo e, anos depois, terminado o ciclo dos campos de combate por que passara, só ele sobrar vivo. E não haver quem viesse a lembrar-se de todos eles, dos seus rostos bem nítidos na memoria, que sabia terem correspondido a tantas inquietações e utopias.
Qual a reação de Javier ao lamento do antigo guerreiro? Compromete-se a lembrar-lhes os nomes no romance para, pelo menos, deles restar um dos seus traços identitários! E assim nós, enquanto leitores, homenageamo-los pela coragem, pela determinação e pela generosidade com que tudo deram - mesmo a vida! - para contrariar a besta fascista.

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