sexta-feira, maio 26, 2017

(DL) Os homens sem mulheres de Murakami

Embora leia com gosto os romances de Haruki Murakami tenho considerado um exagero, que seja potencial candidato ao Nobel da Literatura sempre que a Academia Sueca trata de premiar os melhores escritores vivos. Mas tendo em conta a constatação em como ela tanto acerta nos seus juízos (Saramago, Grass, Garcia Marquez, Modiano, Le Clézio entre outros), como falha clamorosamente (como aconteceu com o mais recente!), não me admiraria que o autor japonês viesse a ter essa imerecida consagração.
Ele cria estórias bastante sugestivas, mas não se pode dizer que, na escrita, ou até mesmo na construção, os seus muitos romances, novelas e contos sejam Literatura com maiúscula.
Encontramos-lhe personagens comuns, transformados involuntariamente em detetives, acabando por uma ou outra razão a ficarem algum tempo encerrados num poço ou num outro espaço claustrofóbico, onde a solidão tende a tornar-se insuportável. Tem quase sempre um desejo platónico por uma mulher etérea, cujo desaparecimento lhe força a busca, contando pelo meio com a ajuda de uma rapariga sexy e atrevida com que não enjeita deitar-se.
Há quarenta anos, que este tipo de narrativas se repete, com gatos sempre por perto e muito tempo passado nas atividades quotidianas na cozinha ou a ouvir jazz. A mentalidade é adolescente, mesmo que os heróis vão avançando para a maturidade.
O seu título mais recente, «Men without women», reúne sete histórias curiosas e em que pretende experimentar algumas inovações. Nomeadamente os habituais felinos primam, desta feita, pela ausência. Há adolescentes e homens de meia-idade, mulheres que servem de médiuns entre o reino espiritual e a realidade. Mas a ambiência é, como de costume, melancólica.
Numa das histórias um homem viúvo conta à motorista pessoal o quanto deseja vingar-se de um dos amantes da defunta esposa. A conversa será suficientemente catártica para que resolva a frustração sem maiores consequências.
Noutra, uma dona de casa vai regularmente levar comida a um prisioneiro com quem se deita e que se torna no confidente das vicissitudes passadas.
Há, igualmente, uma cirurgiã plástica que se apaixona pela primeira vez e que considerará a relação com o amado como sendo semelhante a dois barcos amarrados com uma corda.
Noutra - por sinal falhada! - o protagonista da «Metamorfose» de Kafka acorda uma manhã devolvido à condição humana e sem se recordar do que consigo se passara. Porém, quando uma operária corcunda vem fazer reparações a sua casa e sobe um escadote, não deixa de sentir-se afetado pela semelhança, que lhe encontra com um inseto.
Noutra situação, que remete para a própria biografia de Murakami, há um homem que aguarda o primeiro cliente num bar animado pela música de jazz.  O pensamento leva-o para a mulher ausente, que perdeu para os braços do melhor amigo.
Todos esses homens sem mulheres contactam os outros em quartos e bares. E têm, cada um a seu jeito, excentricidades que os distinguem. Por isso distanciam-se de quem está à sua volta, protegendo-se da dor no desejo de solidão. A vida vai-lhes passando ao lado e, sem darem por isso, vão-se perdendo de si mesmos.

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