sábado, maio 20, 2017

(D) O regresso ao que nos fez felizes

Faz sentido recuperar uma das obras maiores de Pina Bausch, sete anos depois do desaparecimento da genial coreógrafa alemã? É a questão que vai na cabeça dos seus muitos admiradores, quando sabem atualmente em cena uma versão de «Café Müller» em diversos teatros da Bélgica flamenga.
Quem se atreveu ao que uns consideram uma justa homenagem, outros uma certa heresia, foi Sidi Larbi Cherkaoui com o Ballet Vlaanderen de que é o diretor artístico. Para descansar os céticos fica o assentimento da Fundação que gere o legado da criadora do Tanztheater Wuppertal. Facto raro, porque esta é a segunda vez que tal sucede.
Três dos mais próximos colaboradores de Pina assessoraram a recriação, facultando aos bailarinos a rigorosa indicação de como se deveriam movimentar, das portas por onde deveriam direcionar as emoções. Incutindo-lhes, no fundo, o que com ela aprenderam: “o questionamento nunca cessa, a busca nunca pára. Há algo de infinito nela e é o que nela encanta.”
Há experiências gratas, que gostaríamos ver congeladas no tempo e no espaço, mas só podem ficar retidas na memória. Como aquela vez em que vimos «Mazurca de Fogo» no Teatro São Luíz e duvidámos se seria possível alcançar maior clímax de encantamento do que aquele.
Para quem duvida da necessidade de dar nova tridimensionalidade às criações, que podemos rever na televisão ou no youtube, fica sempre a diferença abissal entre o que surge num palco e a sua tradução num pequeno écrã. Porque, mesmo perdendo os detalhes dos grandes planos, só captáveis pelos zooms das câmaras, há na nossa atitude enquanto espectadores uma subjetiva leitura do bailado, quando nos sentamos na plateia ou no balcão. É que as obras de Pina não são apenas o somatório dos movimentos dos bailarinos; há também o que eles nos sugerem, as associações de ideias propiciadas por todos os elementos da criação, desde o guarda-roupa à música, passando por todos os elementos da cenografia. Por isso mesmo, e para garantir uma maior fidelidade à obra de Pina, Cherkaoui conseguiu o empréstimo das cadeiras utilizadas na criação original e ainda existentes no acervo da Fundação.
Pela seriedade da proposta serei seu espectador se a versão de Cherkaoui vier a Lisboa. Porque não enjeitando a revisão periódica do registo de há quarenta anos, fará todo o sentido apreciá-lo ao vivo para encontrar resposta para a sempiterna dúvida quanto ao que faz as pessoas mexerem-se. E a partir desse agir como vivem as emoções, gerem as ambições, controlam os seus mais sombrios fantasmas interiores. Tudo o que, no fundo pressentimos quando revisitamos este tipo de monumentos criativos.


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