segunda-feira, maio 22, 2017

(DIM) «A Rapariga Cortada em Dois» de Claude Chabrol (2007)

Ao contrário do que almejara, Claude Chabrol não conseguiu replicar a duradoura carreira criativa de Manoel de Oliveira. Desaparecido aos 80 anos em 2010, teve neste «A Rapariga Cortada em Dois» o penúltimo título de uma bem vasta filmografia e onde foi reencontrar algumas das suas mais conhecidas ideias-base: os ricos são invariavelmente cúpidos, perversos e corruptos vitimando amiúde os que por eles se deixam atrair.
No início conhecemos uma bela apresentadora da meteorologia na televisão a quem todos prognosticam uma carreira fulgurante. Azar dela o deixar-se enredar na teia de sedução lançada por um escritor de sucesso, bem mais velho, que a vai usar para os seus jogos eróticos, que incluem a inclusão em orgias com os amigos. Pelo meio surge o herdeiro de uma empresa farmacêutica, mimado e desequilibrado, que mete na cabeça a obsessão de com ela casar.
Consegue-a convencer a tal quando, abandonada pelo amante, Gabrielle fica numa insuportável depressão, que a tenta para comportamentos suicidas. Trazendo-a a Lisboa para uma mudança de ares, Paul consegue dela o difícil sim. Mas logo se enche de ciúmes insuportáveis sobre a forma como ela se dera ao amante.
Uma noite, aproveitando uma sessão de gala, onde se reúne toda a elite de Lyon, Paul mata o rival a tiro. Para a rapariga cria-se um dilema: testemunhar ou não de forma a que o efémero esposo não passe muitos anos na prisão.
Nesse sentido Gabrielle é a única personagem, que se dissocia dos demais ao entregar-se ao amor sem prudência nem calculismo, encontrando à sua volta quem personifica o cinismo, o grotesco, a crueldade. Ela é a menina ainda por crescer, o anjo condenado a cair perante os jogos de poder e de sedução, que lhe são estranhos.
Chabrol aproveita para questionar o que pertence ao espaço público e ao espaço privado e onde eles se confundem. Porque o sexo acaba por constituir um argumento jurídico de primeira importância, quando estão em causa o dinheiro e o estatuto social. Tanto mais que há muito vivemos numa espécie de esquizofrenia em que o puritanismo e a obsessão pelo sexo estão quase sempre de mãos dadas em vez de se situarem em trincheiras opostas.
É essa evidência, que justifica a homenagem de Chabrol a Woody Allen em dois momentos do filme: num deles o ator Edouard Baer faz um cameo em que conta uma anedota sobre o cineasta norte-americano durante uma entrevista televisiva; no outro, a estabelecer o epílogo do filme, Gabrielle repete a cena que Scarlett Johansson interpretara em «Scoop». O que sugere os traços de união entre os dois cineastas: o recurso a um anjo louro idealista no seio de um universo corrosivo. Cujo sorriso final pressupõe um otimismo para tudo quanto se seguirá...

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