quinta-feira, janeiro 05, 2017

(DL) A solidão de um antigo viajante durante uma noite de insónia

Prosseguindo a lenta progressão de Franz Ritter, o protagonista de «Bússola» na insónia de uma madrugada vienense, encontramo-lo a dissociar-se de todos quantos se comprazem com os seus sonhos, pois considera uma felicidade deles só se lembrar durante escassíssimos segundos, por logo se lhe apagarem da memória: “Felizmente escapo à culpabilidade do inconsciente,  à selvajaria do desejo.” (pág. 180).
O pensamento orienta-se, porém, para as experiências da viagem pelo Médio Oriente com Sarah, quando dela se enamorou superlativamente sem a conseguir cativar para o que teria desejado transformar-se um projeto de vida a dois.  Até porque tinham vivido esses dias com a curiosidade dos estranhos incapazes de se integrarem no ambiente apenas pressentido, porque completamente inacessível à sua (in)sensibilidade ocidental: “No deserto, sob a tenda dos beduínos e face à mais tangível realidade da vida nómada, confrontávamo-nos com as nossas próprias representações, que parasitavam pelas suas expetativas, a possibilidade de experimentarmos essa vida, que não era a nossa.” (pág. 184). De tal forma o não era, que associavam a pobreza dessa gente à poesia dos antigos e o seu despojamento aos eremitas e iluminados. Todas as superstições serviam-lhes de ilustração do exotismo, mas impediam-nos de compreender verdadeiramente quem eram e como vislumbravam o sentido de existirem.
A solidão volta a surgir no pensamento de Franz, quando evoca a visita do grupo, em que se integrava com Sarah, ao estreito de Ormuz, e muito particularmente ao Forte de Comorão, aí mandado construir pelos portugueses no século XVI. “ Foi decerto ali que se criou a palavra nostalgia pela primeira vez. Tantas semanas de mar para se ficar meses a fio naquele ilhéu sob a canícula húmida do Golfo.” (pág. 219). Para Franz a arqueóloga conseguia imaginar melhor o sofrimento desses aventureiros europeus, que tinham conseguido passar o Cabo das Tormentas e iludir a ameaça de Adamastor, para virem colonizar aquele rochedo e assim acederem às pérolas, às especiarias e às sedas das Índias.

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