segunda-feira, janeiro 09, 2017

(DL) A magia intemporal do Japão no romance de Valter Hugo Mãe

No seu romance mais recente, Valter Hugo Mãe leva-nos até ao Japão, depois de já nos ter convidado para as paisagens islandesas, esgotadas que parecem por agora as do norte português, presente nos ´títulos anteriores. Nas entrevistas recentemente publicadas, ele confessa-se à procura de um lugar, que considere seu, depois de nunca o ter encontrado em nenhum lado. Mas, mais do que essa sensação de identidade, que lembra o “espírito do lugar” evocado por Lawrence Durrell, ele aparenta a sedução efémera por sítios, que tão depressa o encantam como logo deles sente vontade de se dissociar.
Em «Homens Imprudentemente Poéticos» o protagonista é um artesão, Ítaro, criador de leques, mas com um feitio complicado porque não só mata animais para lhes auscultar sinais do futuro no último sopro de vida, como também vende a irmã cega para que despose um desconhecido do outro lado da montanha, de que os separam a floresta onde os suicidas vêm pôr fim aos seus dias. Pelo meio ainda irá roubar o quimono da defunta vizinha cujo marido cuidava como se ela ainda fosse viva, forma de redenção por a ter deixado à mercê de uma besta selvagem vinda da floresta. O ódio entre ambos, um artesão e outro oleiro, percorrerá todo o romance até o primeiro se sujeitar a uma forma de expiação da vertente obscura do seu carácter, ficando dias a fio num poço fundo a mando de um monge ali vindo em missão. No epílogo a mútua vontade de se assassinarem fica adiada por uma momentânea sensação de concórdia.
Temos, pois, um universo muito diferente do nosso, intemporal e onde as crenças supersticiosas não prodigalizam conforto a quem se sente dia-a-dia mais miserável, incapaz sequer de garantir os recursos para iludir a fome. As lendas acabam por dar uma conotação mágica ao que mais não é do que sugestões de alteridades, que todos se apressam a normalizar.
Muito embora alguns aventassem as influências de Ozu, toda a ambiência tem mais a ver com Mizoguchi na violência dos seres e na omnipresença de formas indefinidas de transcendência.
Que Valter Hugo Mãe surpreende pela originalidade dos temas e dos estilos, é algo evidente nestas suas mais recentes propostas literárias.

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