terça-feira, janeiro 10, 2017

(DIM) «Sonho de uma Noite de Verão» de William Shakespeare (2)

Existe uma harmoniosa complementaridade entre os quatro grandes momentos da peça: as núpcias de Teseu e de Hipolita, a zanga entre Oberon e Titania, a fuga dos quatro amantes para a floresta e a representação final dos artesãos. O mundo clássico e o mundo mágico misturam-se na demonstração do declínio da Renascença: o casal Oberon/ Titania é uma réplica dos comuns desacordos entre Júpiter e Juno, enquanto Puck parece imanar do imaginário nórdico.
É pela graça mágica dos elfos que os humanos evoluem na comédia. Os enganos e desenganos, os equívocos e as epifanias amorosas, mais não parecem que um singular bailado exemplificativo dos caprichos dos afetos. E essa sorridente metamorfose contagia os próprios artesãos contratados para interpretarem uma peça, e acabam mergulhados nessa mesma atmosfera encantatória. Bottom parece sair mais facilmente duma das fantasmagorias de Hieronymus Bosch do que de uma qualquer obra de Ovídio.
O sucesso desta peça foi tal, que serviu de inspiração para obras diversas nos séculos seguintes, desde a pintura (Blake, Schwind, Fröhlich, Müller) à dança (Max Reinhardt), da poesia (Wieland) ao cinema (Ingmar Bergman ou Woody Allen). Mas foi na música, com Félix Mendelssohn, que a obra de Shakespeare encontrou mais fascinante expressão.
Estreada em 1843 e contando cinco andamentos - Abertura, Scherzo, Intemezzo e Nocturno - conclui-se na muito conhecida Marcha Nupcial, imaginada como acompanhamento sonoro para os casamentos com que a história se encerra. Quantos casais deram o nó ao som dessa música, que passou a perdurar nos imaginários coletivos como sinónimo de indizíveis alegrias?
Logo nos primeiros acordes da Abertura (que Mendelssohn compôs em 1826, quando só contava 17 anos) sente-se sugerido o clima feérico de toda a obra. A noite é daquelas que têm tudo para se revelarem idílicas: cálida, banhada de luar e só perturbada pelos estalidos dos troncos das árvores ou os sussurros das folhas. Mais ligeiro e cristalino ainda consegue ser o Scherzo, com a imobilidade dos primeiros acordes da peça a amplificar-se no Noturno, onde o pálido luar constitui um hino à paz.
No Intermezzo, que ilustra a cena de rebate amoroso de Hemia no segundo ato, não é o coração de uma mulher que se ouve a bater, mas o de uma fada. Mas estes são meros apontamentos genéricos de uma obra, que conta com duos de elfos e coros de fadas, bem como seis melodramas.
Nada mais aconselhável do que clicar no link abaixo e preparar a alma para ver em estado pré-encantatório o filme proposto na noite do dia 19 de janeiro no Cineclube Gandaia (Costa da Caparica) com a audição desya proposta interpretativa dirigida pelo estónio Paavo Jarvi à frente da Orquestra Sinfónica da Rádio de Frankfurt, gravada há cerca de ano e meio.


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