sábado, janeiro 28, 2017

(DIM) No meu caso prefiro esperar sentado

Não sou dos ando particularmente entusiasmado com o filme de Martin Scorcese sobre o martírio dos missionários cristãos no Japão do século XVII. Por um lado o realizador americano de origem italiana já conheceu melhores dias como criador de filmes e. por outro, enquanto ateu, pouco me interessa a utilização do cinema como veículo de proselitismo de quem já se confessou católico, perdeu a fé nos anos 70 e, agora que, aos 74 anos, a parte de cima da ampulheta está inquietantemente a esgotar-se, volta-se para ela com recuperada convicção.
Não tenho qualquer fé, pelo que os demais temas do filme - a dúvida, a graça, o pecado e a redenção - nada me dizem. Ainda que Scorcese não se tenha eximido de mostrar Rodrigues a contas com a interrogação sobre o silêncio de Deus, parece óbvia a incapacidade do padre em suportar um mundo em que ele se faça ausente.
Ora é clara para mim a convicção de que Deus não existe nem sequer faz cá falta. Até porque, no passado e no presente, é à sua conta que se têm repetido os mais abjetos genocídios.
O tema está presente desde muito cedo nos filmes de Scorcese: o protagonista de «Mean Streets» procura a via da santidade nas ruas de Nova Iorque. Em «Taxi Driver», Travis procura-se a si mesmo. Em «Raging Bull» está o tema da redenção, ou seja, a possibilidade de se ser outro depois de cometidos tantos erros.
Scorcese também procurou mudar em relação a quem era nas origens.  Porque, nascido no então aprazível bairro de Queens, o descalabro financeiro da família, obrigou-o a  mudar-se para o bairro italiano, quando tinha oito anos.  A Elizabeth Street correspondia a uma das áreas mais pobres da cidade onde o caos era uma constante.  A igreja tornou-se então o refúgio possível.
Porque só existiam duas alternativas - enveredar pela delinquência ou ir para o seminário - foi para a segunda que o jovem Martin se encaminhou a partir dos 14 anos.
Seis décadas depois e, apesar de só o ter frequentado durante dois ou três anos, Scorcese reconhece ter sido nesse seminário, que ganhou verticalidade no carácter. Cá fora aterrou de imediato no ambiente intelectual rendido à Nouvelle Vague francesa. De repente todos achavam ser muito fácil realizar filmes e surgiu, assim, toda uma geração, que ganharia prestígio na comunidade cinematográfica americana.
Agora, com «O Silêncio», Scorcese volta ao catolicismo com recuperado entusiasmo para nele «procurar a luz». Rodrigues é o assumido alter ego, que se confronta com um dilema: deve sacrificar vidas humanas em nome da fé ou salvá-las renunciando a tudo quanto acreditara? Deverá negar-se a si mesmo, mesmo com o risco de espezinhar a sua alma?
No desenlace Rodrigues recupera a mais profunda fé depois de a ela renunciar. Mesmo sabendo que a redenção nunca é alcançada por ser desafio quotidiano.
Nas entrevistas dadas na promoção do filme Scorcese lamenta que a espiritualidade tenha perdido importância na nossa sociedade consumista. Com «O Silêncio» procura contagiar quem está disponível para porfiar na procura de sentido para a vida. No meu caso prefiro esperar sentado...

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