sexta-feira, janeiro 06, 2017

(DIM) A Minha Revolução Cultural

Lembro-me bem do momento em que ganhei uma particular admiração pela Revolução Chinesa, que justificaria o alinhamento com o maoísmo na segunda metade da década de 70.
Estava quase nos catorze anos, quando fui à Feira do Livro, ainda na Avenida da Liberdade, para munir-me da montanha de exemplares, que preencheriam as longas tardes de verão desse ano em que Armstrong e Aldrin pisariam a Lua. Um deles, publicado pela Europa-América, intitulava-se «A Longa Marcha» e narrava a maior epopeia do século XX, quando dezenas de milhares de comunistas liderados por Mao escaparam da província de Jiangxi, onde estavam cercados pelas forças nacionalistas, percorreram quase dez mil quilómetros e foram estabelecer-se na província de Ya’nan, donde retomariam a conquista progressiva de território contra os partidários de Chang-kai-chek e os ocupantes japoneses, até chegarem vitoriosos a Pequim quinze anos depois.
Escrito por um norte-americano cujo nome, entretanto, esqueci, esse livro era tal panegírico ao heroísmo e audácia dos seus protagonistas, que tornou inevitável a minha simpatia pelo que então se passava na China.
O filme de Xu Xing, «A Minha Revolução Cultural» veio-me devolver esse passado, quase esquecido em que li atentamente o Livro Vermelho, entretanto arranjado na Andorra e passado à revelia na fronteira do Caia, ainda com os esbirros do regime dedicados a impedir a entrada de material subversivo no país. Nesses anos quis acreditar nas palavras de ordem dos Guardas Vermelhos, sobretudo quando proclamavam a morte do velho para que emergisse tudo o que de novo se manifestasse.
A realidade nada teve a ver com a ficção em que uma parcela significativa da minha geração acreditou, sucedendo-se os crimes, as injustiças e o caos mais próprios de um anarquismo niilista do que de uma verdadeira Revolução comunista. Se esse período nos ensinou foi o quanto é perigoso deixar as massas ululantes entregues a si mesmas, porque, sem o enquadramento de uma organização política sólida e responsável - daí a importância do Partido na abordagem teórica de Lenine em situações similares! - a tendência é para deixar vir ao de cima o que de pior tem o género humano.
No regresso a esse passado, que tanto o fez infeliz, o realizador reencontra quem o albergou, quando os pais foram presos como contrarrevolucionários, ou a rapariga por quem se apaixonou e logo o denunciou a um professor, porque, não esqueçamos, como o Amor era considerado sentimento a banir, porque impediria os jovens de dedicarem todas as energias à causa coletiva.
Precioso sobretudo pelas imagens subtraídas a múltiplos arquivos, o filme de Xu Xing é elucidativo sobre uma tentativa dramaticamente falhada de como criar uma Utopia… mas importa referir um facto adicional: quando vivi alguns meses em Xangai, em 1999, ainda encontrei chineses saudosos de Mao, apesar de reconhecerem o passo errado dado nos anos em que, de norte a sul, o país parecia virado do avesso.

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