terça-feira, janeiro 03, 2017

(DIM) O retrato testamentário de Paulo Rocha sobre o Portugal em que vivemos

Por natureza um criador anda sempre a abordar os mesmos temas, ainda que tente iludir a revelação dessas obsessões através de formas diversas de os explorar. Comprova-se essa ilação no último filme que Paulo Rocha realizou - «Se fosse ladrão roubava» - lançado em 2015, dois anos passados sobre a sua morte e em que ele constrói um argumento coerente socorrendo-se de todos os filmes da sua lavra ao longo de meio século.
Inclassificável foi como alguns definiram esta obra que tem por fulcro a história do pai do próprio realizador, que buscou sustento no Brasil, porque concluíra haver bem mais mundo do que o por si visto na aldeia duriense onde assegurava fraco sustento. Para melhor a ilustrar, Rocha alternou o seu fio condutor com esses extratos de pretéritas obras, que lhe serviriam de representação dessa ânsia de horizontes mais largos, mas com custos quanto á nostalgia do que se perdeu nessa viagem.
Deparamo-nos, igualmente, com o país miserável da primeira metade do século XX, que perdurou até ao 25 de abril, porque a concomitância com a modernidade por outros já vivida só à Revolução dos Cravos devemos. Antes eram os preconceitos, que vitimavam todos, mas muito particularmente as mulheres cuja sexualidade era olhada com a violência dos que as consideravam como corpos para serem usados, abusados … e depois abandonados. Daí a canção, que dá o título ao filme, em que se afirma o desejo de as roubar às famílias e depois desgraçar.
Para boa parte dos espectadores, que acolham o filme sem explicação prévia, ele começa por ser bastante confuso. Quem desconhece a importância de Paulo Rocha na criação do movimento do Cinema Novo português no inicio dos anos 60 e lhe não acompanhou os filmes depois congeminados entre o Douro, Lisboa e o Japão, poderá sentir-se à deriva num mar desconhecido. Mas a chave para o seu entendimento está lá e tem como guias sucessivos Camilo Pessanha, Wenceslau de Moraes e Amadeo de Sousa Cardoso.
No final somos forçados a concluir, que o projeto fez sentido sobretudo para o autor e para Regina Guimarães, a responsável por dar coerência à lógica fragmentária dos conteúdos, porque nós só poderemos ter ficado pela rama quanto ao que, efetivamente, nele se mostrou.
 

Sem comentários: