sexta-feira, janeiro 20, 2017

(DL) A influência da CIA nos meios culturais

Uma das questões mais pertinentes, que nos podemos colocar, quando se trata de analisar o posicionamento político da maioria dos escritores influentes dos nossos dias, é a sua quase total dissonância com a ideologia comunista. Não sobram hoje Aragons ou Saramagos, sendo maioritários os que até se afirmam quase alheados da sorte dos povos, como se não fossem eles a matéria-prima das suas obras.
Uma explicação para essa tendência apolítica, ou quanto muito despartidarizada, pode estar no que Joel Whitney acaba de revelar no seu recém publicado «Finks: How the CIA Tricked World’s Best Writers». Se o conteúdo em si não surpreende e apenas vem confirmar as nossas suspeitas, algumas revelações podem-nos deixar atónitos. Como o facto de Gabriel Garcia Marquez, James Baldwin e Ernest Hemingway terem sido pagos pela CIA … apesar de o desconhecerem.
Em 1966 já uma denúncia bombástica revelava que a CIA não se contentava apenas em derrubar governos, que tomasse como alvos, mas também produzia estratégias mais subtis como as de criar tendências no movimento literário, que servissem os seus propósitos antissoviéticos. Nessa revelação ficara-se a saber que Paul Matthiessen, um dos mais proeminentes literatos de então, e particularmente na moda por ter criado a revista »Paris Review«, onde publicava textos e contos de escritores a quem convidava e generosamente pagava, era um agente da CIA e dava substância à nova orientação dos seus patrões.
Por essa altura também surgiu na América Latina a revista «Mundo Nuevo», com um conteúdo aparentemente esquerdista, mas integrado nos mesmos propósitos. Gabriel Garcia Marquez era um dos seus colaboradores por ser tido como menos perigoso, que alguns outros, politicamente mais influentes. Surfava-se assim uma onda a tentar que ela perdesse força antes de chegar à pretendida praia.
No seu livro Whitney revela que esses generosos patrocínios da CIA por interpostas organizações e publicações não se restringia à literatura: Jackson Pollock e Mark Rothko teriam sido outros dos seus subsidiados.
Engano, subterfúgio e intimidação: eis os três objetivos da CIA por esses anos e que, quase por certo se mantém atuais independentemente das sucessivas Administrações a que reportem. Porque garantindo a presença dos seus agentes junto dos meios culturais opositores às políticas da Casa Branca, conseguem manipulá-los e deles colher informações sobre quem é inimigo a abater ou amigo a promover.
Whitney não o diz no livro, mas como se compreende a diabolização de Saramago nos meios culturais a nível internacional, tendo muito menos projeção do que o seu mérito efetivamente justificaria? Como se compreende que, em França, esses mesmos meios culturais tenham a respeito dos escritores lusos sempre privilegiado o olvidável Antunes em detrimento do nosso Nobel? E como explicar o sucesso internacional de Vargas Losa senão pela duplicidade das suas posições ideológicas e o aparente progressismo das suas obras?
Às vezes a velha regra da Roma Antiga de deixar cair os seus mais comprometidos seguidores suscita tragédias pessoais: igualmente denunciado como agente da CIA, o intelectual libanês Tawfiq Sayigh, diretor da revista «Hiwar», foi completamente abandonado à sua triste ostracização pelos pares.
Whitney alerta-nos para a perenização desta estratégia nos filmes de grande orçamento hoje produzidos: «Argo» de Ben Affleck é um bom exemplo de utilização da arte como forma de garantir a influencia propagandística das mensagens dimanadas de Fort Langley.
Whitney ainda refere o quão incómodo resulta da intervenção maciça da CIA na promoção de alguns autores, como sucedeu com Boris Pasternak cuja intenção seria apenas a de escrever boas histórias e se viu, de súbito, “promovido” à condição de dissidente, que só lhe tornou a vida num inferno na antiga União Soviética. Ele será, na perspetiva de Whitney, o exemplo de vítimas colaterais de uma agência, que não mostra qualquer escrúpulo em cumprir os seus objetivos. 

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