quinta-feira, outubro 27, 2016

(V) «O Paraíso Radioativo» de Ben Lewis (I)

Após a experiência da ocupação alemã durante a 2ª Guerra Mundial, De Gaulle instituiu o princípio de não regatear esforços para que a França passasse a estar sempre na vanguarda do tipo de armamento existente em cada momento, o que significou o acesso à bomba nuclear.  Foi por isso decidido utilizar Mururoa, um atol paradisíaco do Pacífico, para os respetivos testes depois de umas experiências pífias no deserto do Sahara antes da independência da Argélia.
Em 2 de julho de 1966  a operação militar com o nome de código de «Alderaban» constituiu s primeira concretizada nesse atol da Polinésia francesa. Previamente tinham-se aí estabelecido três mil técnicos e cientistas, sem contar com outros instalados nas ilhas mais próximas.

Nessa altura a França não suspeitou o atentado, que preparava à sua imagem, porque criara-se a ideia de se tratar de uma região paradisíaca a ser preservada como tal. Tanto mais que a contaminação decorrente da explosão do engenho a algumas centenas de metros de altitude era enorme, razão porque, desde 1963, a Grã-Bretanha e os Estados Unidos já haviam evoluído para explosões subterrâneas, tecnologia ainda inacessível aos cientistas franceses.
As imagens da época até nem correspondem às do tradicional cogumelo, porque o vento logo tratou de lhe dar formato bem mais irregular.
A 11 de setembro de 1966 os franceses fizeram explodir uma nova bomba de 200 quilotoneladas sob o nome de «Betelgeuse». De Gaulle visita então a Polinésia Francesa para enfatizar a importância do território como sede da organização destinada a dar ao país o carácter de dissuasão imprescindível para garantir a paz num mundo perigoso. E prometeu compensações, que permitisse desenvolver a colónia no seu todo.
De Gaulle assistiu a essa segunda explosão, dessa feita com um cogumelo, que ele classificou de «magnifico». A França conseguia assim mostrar-se equiparada à Grã-Bretanha e aos Estados Unidos, corrigindo a situação de menoridade criada durante a Ocupação e mesmo durante a subsequente Libertação.
Em 24 de agosto de 1968 ocorreu o terceiro teste, sob o nome de código «Canopus», e com uma bomba dez vezes mais potente que a anterior.
Populações de outros atóis próximos ficaram na zona contaminada, mas as autoridades apenas lhes propiciaram toscos abrigos do tipo agrícola, que apenas os «protegeram» simbolicamente, nada tendo sido feito para evitar a contaminação dos peixes das lagunas e das nozes de coco, que constituíam a base da sua alimentação.
Em 1971 explodiu a bomba «Encelade» com uma megatonelada, que transformou o céu numa única imagem totalmente branca. Uma vez mais, nos meses seguintes, as populações das ilhas próximas continuaram a consumir alimentos afetados pela radiação irradiada.
A inconsciência quanto aos perigos desses testes era tal, que houve quem ficasse contaminado por jogar ténis no terreno adjacente à pista de aviação aonde o aparelho incumbido de registar a  contaminação a grande altitude, foi lavado com água e uma espécie de gel. O escorrimento dessa mistura tóxica dirigira-se «inocentemente» para esse campo de recreio.
Igualmente afetados foram os mergulhadores da Marinha Francesa, que ocupados nas medições subaquáticas e que viriam a ter problemas de saúde graves passados poucos anos depois.
Em 1974, porém, um vice-almirante francês ainda garantia a inexistência de qualquer relação de causa e efeito entre os testes e os problemas de saúde que  não tardariam a revelar-se. As indemnizações ainda não estavam na ordem do dia...



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