quinta-feira, outubro 27, 2016

(L) «O Mar» de John Banville (IV)

Aonde pertencemos? Em que sítio, de entre todos quantos conhecemos e frequentámos, é o que se ajusta ao momento de todos os balanços, aquele em que se olha para trás e perspetiva-se onde se acertou, onde se errou, onde eventualmente não poderíamos ter feito senão aquilo que fizemos?
Max Morden voltara para a terra natal tão só enviuvara da mulher, que sucumbira um ano depois de se declarar o seu tumor.
“Foi num fim de tarde como esse, a tarde de domingo em que vim para aqui ficar, depois de Anna ter finalmente partido. (…) Sentia-me inexplicavelmente mais leve, como se o anoitecer no gotejar e no escorrer do que tem de patético e falacioso, me tivesse libertado momentaneamente do meu fardo de mágoas!” (pág. 94)
Escusara-se, pois, a ficar na casa partilhada com ela durante as décadas de conjugalidade, mais ou menos tranquila, que com ela partilhara. Com algumas traições mútuas de permeio e um ódio aqui e além difícil de controlar.
A Miss Vavasour mostra-lhe o quarto, que se dispõe a alugar-lhe na Casa dos Cedros: “senti que andava a viajar há muito tempo, há anos, e chegara finalmente ao destino para onde, durante todo o tempo, sem o saber, me dirigia e onde devo ficar, já que é, por agora, o único lugar possível, o único refúgio possível, para mim.” (pág.100)
E, no entanto, aquela era a mesma casa onde Connie Grace nunca pudera imaginar-se como a primeira paixão do miúdo da aldeia, que vinha brincar com os filhos, que afinal se pusera a namoriscar Chloe numa sucessão de avanços e recuos determinados pelos caprichos dela e pelo espanto dele: “Aquelas semanas com Chloe constituíram para mim uma sucessão de humilhações mais ou menos arrebatadas. Ela aceitava-me com uma complacência desconcertante como se eu fosse um suplicante no seu santuário.” (pág. 105)
Só tantos anos depois, Max compreende qual o seu verdadeiro poder: “Estou convencido que ela foi para mim a verdadeira origem da autoconsciência. Antes, havia uma coisa e eu era parte dessa coisa, agora havia eu e tudo o que não era eu.” (pág. 107)
O seu tempo atual é de aprendizagem. Entregue a si mesmo não consegue habituar-se a essa nova realidade, que o faz sentir-se mais fragilizado:
“Presentemente, tenho de tomar o mundo em pequenas doses cuidadosamente rateadas como se estivesse a receber uma espécie de tratamento homeopático embora não saiba muito bem o que é que esse tratamento pretende remediar. Talvez esteja a reaprender a viver no meio dos vivos, a exercitar-me melhor dizendo. Mas não, não é isso. Estar aqui é apenas uma forma de não estar noutro sítio qualquer.  (Pág. 123)
Como outro paliativo bebe excessivamente., o que será determinante quanto ao que lhe ocorrerá no final do romance: “Já falei do meu vício de beber? (…) Bebo como uma pessoa que enviuvou recentemente - um enviuvado? - uma pessoa de escasso talento e de ainda mais escassa ambição, com a cabeça encanecida pelos anos, insegura e perdida, carente de consolo e das breves tréguas do esquecimento induzido pelo álcool”. (pág. 127)
Nesta altura do romance estamos prestes a chegar-lhe ao final, tema do próximo texto. 

Sem comentários: