sábado, outubro 22, 2016

(L) John Banville, «O Mar» (I)

Não sendo o escritor britânico vivo, que leio com maior prazer - essa palma vai para Julian Barnes! - os livros de John Banville são excecionalmente bem carpinteirados e uma degustação tipo gourmet para os leitores mais exigentes. Não admira, pois, que com este romance ele tenha ganho, em 2005, um dos mais importantes prémios literários do nosso tempo: o Man Booker Prize.
O narrador é Max Morden, que adota como início uma informação singular: “Foi no dia da estranha maré que os deuses partiram.(…) Depois daquele dia nunca mais voltei a nadar.” (pág. 7)
Ele já é um homem maduro, quando regressa à vila natal, situada à beira mar e instala-se como hóspede na Casa dos Cedros, que estava tão ligada às memórias do que nela vivera: “É surpreendente como mudou tão pouco ao longo dos mais de cinquenta anos que passaram desde que aqui estive.” (pág. 8)
Ele, porém, mudara e muito, porque se o local se assemelha ao que dele conservara na mente, as emoções atuais são desconcertantes, quase inexplicáveis: “Porque será que na minha infância tudo o que era novidade e me chamou a atenção possuía uma aura de mistério inquietante se, de acordo com os entendidos, o misterioso não é nada de novo mas algo já conhecido que regressa sob uma forma diferente, uma espécie de aparição ou fantasma?” (pág. 11)
Ele transporta consigo outro tipo de assombração: o da mulher recém-falecida na sequência de uma doença incurável, que os fizera viver num limbo expectante durante um ano, depois da reação emotiva inicial: “Os infortúnios, as doenças, a morte prematura, são tudo coisas que acontecem a gente boa, aos humildes, ao sal da terra, e não a Anna, não a mim”. ( pág. 17)
Quando o médico os confrontara com a inevitabilidade do que lhes iria suceder, a relação no casal tinha mudado abruptamente: “A partir desse dia tudo passaria a ser dissimulação e fingimento. Não havia outra maneira de conviver com a morte”. (pág. 19)
Agora, na Casa dos Cedros, ele recorda a família Grace, que a tinha alugado num mês de agosto distante, quando ainda se sentia num universo por moldar, a perscrutar que futuro seria o seu.
Havia Carlo Grace, o pai, Connie, a mulher. Chloe, Myles e Rose, os filhos.
“E a minha vida mudou para sempre.
Mas em que momento dentre todos os momentos, é que a vida não muda por completo até à derradeira e crucial de todas as mudanças?”. (pág. 15)
Para tempos mais recuados dessa mudança, ficara a vida com os pais: “A infelicidade deles foi uma das constantes dos meus primeiros anos de vida, uma espécie de zumbido agudo e incessante mas inaudível” (pág. 26) até o pai abandonar a família e limitar-se futuramente a mandar um vale mensal para custear as despesas de educação com ele.
Nos próximos textos iremos acompanhar Max em dois tempos bem definidos: o atual, que vai constituindo o balanço de uma vida sem fulgores, e o passado, quando descobrira o Amor pela primeira vez.

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