sábado, outubro 08, 2016

(V) «Inferno» de Carlos Conceição

Fazer muito com pouco tem sido uma arte aprendida por força das circunstâncias pela nova geração, que anda a fazer cinema português.
Mário Soares, por altura do I Governo Constitucional, até referiu que as consequências sociais da crise de então só não eram piores por essa capacidade intrínseca da arte de ser português. Uma arte que parece ser transversal à passagem das décadas.
Dos cineastas, que vêm consolidando a afirmação do seu talento desde o final da década transata está Carlos Conceição sobre quem já aqui escrevi a propósito de duas curtas-metragens posteriores a esta: em «Versailles» acompanhávamos um personagem masculino, que vai apoiar uma velha senhora em estado terminal (Isabel Ruth) a encontrar-se com a morte numa casa afastada algures numa floresta; em «Boa Noite Cinderela» mergulhamos na atmosfera romântica do Monte da Lua para constatamos a tentativa falhada de uma criada (Joana Verona) em tornar-se na gata borralheira do príncipe herdeiro da coroa - D. Luís - mas boicotada pelo aio deste, cuja relação com ele é algo equívoca.
Em «Inferno» a história passa-se inteiramente numa vivenda luxuosa onde o rapaz encarregado da piscina entretem-se no triângulo amoroso com a criada e a baby-sitter do miúdo confiado à sua guarda. Ainda longe da puberdade essa criança procura a resposta para algo que acabara de descobrir: porque é que umas pilas parecem «ter osso» e outras não?
Na ausência do pai - trata-se de uma família monoparental! - o rapaz mostra-lhe os mistérios da ereção, masturbando-se diante dele numa cena explicita de exibicionismo pedófilo.
Inesperadamente o proprietário da casa  (Gonçalo Waddington) chega mais cedo da sua viagem e pressente algo de anormal: a casa suja, a piscina por tratar e o filho em comportamentos esquivos.
Temos então uma cena autenticamente hitchcockiana em que vemos o pai a interrogar o miúdo na presença da baby-sitter e só vemos do exterior os movimentos dos lábios e os gestos, por eles estarem do outro lado de uma parede envidraçada. Sabemos que, sentado à beira da piscina a assistir igualmente a essa cena, o rapaz tem uma pistola no saco e está decidido a utilizá-la caso se veja denunciado no seu crime. Por isso os seus gestos traduzem a contradição de se julgar ora inculpado, ora a salvo.
O olhar final do miúdo para a câmara indicia que não revelou o sucedido, mas passou a ter um conhecimento das coisas, que bem pode vir a usar em seu favor no futuro. Mormente contra  o rapaz da piscina e as duas raparigas, elas próprias duais na sua postura, porque onde a criada (Maria Albergaria) revela uma perversidade capaz de interromper um coito à beira do orgasmo do parceiro, a outra (Maria Leite) mantém uma postura moral que a leva a esbofetear o exibicionista chamando-lhe monstro.
Carlos Conceição revela neste filme de 2011 a razão porque valerá a pena estar atento á sua obra posterior, porque as três curtas aqui referidas, pressupõem uma bem sucedida passagem para projetos mais ambiciosos e de longa duração.

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