quinta-feira, setembro 03, 2015

DIÁRIO DE LEITURAS: «Os Extremos» de Christopher Priest (3)

Teresa Gravatt estava em Bulverton para procurar explicação para a coincidência de, no mesmo dia, terem ocorrido dois homicídios com psicopatas em dois locais tão diferentes como aquela vilória inglesa ou um lugarejo no Texas. Tanto mais que perdera o marido neste último tiroteio.
No texto anterior tínhamo-la deixado a viciar-se num entretenimento da ExEx, em que podia reviver virtualmente uma enorme diversidade de situações, muito em particular as de crimes efetivamente ocorridos.
[Teresa) “estava a aprender a experimentar os limites dos cenários. Havia uma liberdade envolvida. Primeiro, pareceu-lhe ser a paisagem: montanhas distantes, estradas que davam para lado nenhum, vistas intermináveis e promessas de terras por descobrir. Porém, ela tinha testado os limites da paisagem, com resultados normalmente frustrantes e, no melhor dos casos, apenas ambíguos.” (pág. 216)
Depressa começa a compreender que os cenários não eram propriamente o que ela começara por imaginar: “um cenário acabava sempre por ter um limite mensurável; a realidade chegava ao fim quando a memória terminava. Qualquer que tivesse sido o esquema utilizado pelo programador, não se podia pegar num carro e levá-lo por ali fora, da virtualidade para a realidade”. (pág. 232)
O pior acaba, porém, por ser outra experiência, que se revela assustadora: viajando pelos acontecimentos em Bulverton no ano anterior, ela conseguira introduzir-se dentro da cabeça do assassino e esboçar um retrato algo inesperado do ser monstruoso, que causara tal morticínio: “ Não conseguia evitar de pensar em Grove, especialmente por ela própria se ter aventurado no cenário do dia do massacre.
Era impossível esquecer como tinha sido entrar na sua mente. Os pensamentos dele, que a atingiram como o indesejado sopro de um estranho pareceram-lhe estar demasiado perto do seu rosto. Como é que nos afastamos de alguém, quando estamos dentro da sua própria cabeça? Tinha sido uma descida, se não à maldade que muitas pessoas diziam que Grove possuía, então à sua mente infeliz e perturbada, preenchida por pequenos medos, más intenções e vinganças.” (pág. 243)
O romance vai-se complexificando com a protagonista a ver diluídas as fronteiras entre a realidade e o virtual, entre o passado e o presente. E, cereja em cima do bolo, até que ponto pode confundir-se a responsabilidade alheia com aquela que nos cabe a nós mesmos?
À medida que se vai aproximando do seu final, «Os Extremos» demonstra ter uma das melhores características do romance de ficção científica: conjeturar o futuro ou outra sociedade como forma de melhor questionar as disfunções do nosso presente.


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