domingo, setembro 20, 2015

DIÁRIO DE LEITURAS: O isolamento ou a sociabilização?

Um dos artigos mais interessantes do «Expresso» desta semana é da autoria de Carolina Reis e intitula-se «Sorria, o mundo é uma #selfie!».
Está em causa a revolução de valores e de comportamentos verificados nos últimos anos desde que a tecnologia passou a facilitar a moda das selfies.
No passado os autorretratos eram raros em fotografia: o normal era a distância entre quem fotografava e quem era fotografado. A diferença de perspetiva é assim interpretada pelo sociólogo Gustavo Cardoso, do ISCTE: “Retratos construídos a partir da nossa subjetividade, enquanto antigamente eram feitos a partir da visão do outro. Ou seja, fotografamos aquilo que achamos que somos”.
Se a fotografia tinha nascido como registo e transformara-se depois em arte, agora arrisca-se a servir de alimento exacerbado da subjetivação dos sujeitos. E por isso mesmo está a conhecer um momento de significativa viragem. A jornalista constata que a célebre fotografia icónica de Che Guevara captada pela câmara de Alberto Korda seria, hoje, completamente diferente se fosse o próprio revolucionário argentino a captá-la.
Carlos Fortuna, sociólogo do Centro de Estudos Sociais de Coimbra, reconhece nas selfies a ampliação dos comportamentos de individualidade: “Não é o momento que é captado, sou eu à frente do momento. Quero é retratar-me a mim com o momento.
Esse arreigado sentido de individualismo, que vai a contracorrente de movimentos cada vez mais frequentes de solidariedade em muitas esferas das nossas sociedades, explica-se pela pulsão do ser humano em ser amado e aceite pelos outros. O que o faz perder a memória e isolar-se cada vez mais. Nesse sentido as empresas tecnológicas tudo fazem para incentivar os seus trabalhadores e clientes a atomizarem-se sem que se sintam tentados a juntarem-se a outros para que se salvaguarde o bem comum.
E por isso mesmo até inventaram o pau do selfie, que dispensa o pedido (e a comunicação) com outros a fim de se lhes pedir que servissem de fotógrafos. “Ganha-se em autonomia, perde-se na socialização!” afirma Carlos Fortuna. Acrescentando: “A tecnologia adapta-se e cria uma autonomia do sujeito. Ninguém se atreve a quebrar o isolamento em que a pessoa se insere para não estar no espaço público”.
Nesta sociedade em que somos empurrados para a auto-robotização, estas conclusões servem de alerta para os perigos de ver a nossa segurança servir de alibi para vermos fragilizadas as hipóteses de concretizarmos legítimas aspirações. Porque se da união cresce a nossa força, da desunião dá-se a oportunidade a quem a não merece para que tudo decida à revelia dos nossos interesses.

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