segunda-feira, setembro 21, 2015

DIÁRIO DE LEITURAS: Como o século XVIII português se interliga com a questão dos refugiados

Não sei se houve intenção ou se se tratou de uma feliz coincidência, mas o protagonista do romance «As Noivas do Sultão», que já aqui abordei, é um antigo cristão sírio chegado a Lisboa em pleno reinado de D. José I e aqui radicado nas décadas seguintes.
Frei João de Sousa viera do longínquo país em busca de riqueza e reconhecimento, mas acabara por entrar num mosteiro franciscano a fim de dar satisfação ao desejo de conhecimento. Por essa altura já assistira aos horrores do terramoto e estava em vias de ver substituída a argúcia iluminada do Marquês pelo conservadorismo beato da rainha D. Maria I.
Leitor voraz, ele é o único súbdito da rainha a conhecer a língua e a cultura árabe, sendo por isso escolhido como interprete dos contactos oficiais e oficiosos entre a corte e os barcos com concubinas de um príncipe marroquino, que haviam chegado ao Tejo por capricho dos ventos e das marés.
A personalidade de Frei João é assaz interessante por ser ele quem mais investiga o que se passa efetivamente a bordo através de um diário chegado clandestinamente à sua mão, entregue por uma das prisioneiras a bordo. E é em torno do mistério pressentido nesse harém, que todo o romance irá decorrer.
Mas o facto de se tratar de um antigo cristão sírio interliga-se com ter estado numa conferência sobre refugiados ontem organizada em Almada e onde um dos estudantes trazidos por Jorge Sampaio ao abrigo de um programa destinado a apoiar jovens impedidos de prosseguir a formação no seu devastado país, nos quis dar a conhecê-lo.
Ao contrário do que julga a centena e meia de biltres que compareceram em frente à Assembleia da República para contestarem uma política de decência para com quem acorre à Europa em busca de sobrevivência, os sírios nada têm a ver com os assassinos do chamado Estado islâmico, que lhes infernizam a vida.
Nour Machlah - assim se chama esse futuro arquiteto - lembrou a História da Síria desde a invenção da escrita cuneiforme, no tempo dos Sumérios, até ao início da navegação marítima com os Fenícios, desde a romanização, que deu origem aos templos de Palmira, a outras ocupações mais recentes de colonizadores europeus, de quem o país se emancipou após a Segunda Guerra Mundial.
 Até há cinco anos, Nour e os jovens da sua idade nunca poderiam imaginar que tal tormenta lhes cairia sobre as descontraídas cabeças. Eram tantas as religiões professadas pacificamente nas diversas comunidades, que elas não constituíam qualquer problema. A conjunção de uma política expansionista estúpida por parte da Casa Branca e o surgimento de franjas radicais de um islamismo, que nada tem a ver com a leitura canónica do Corão, precipitou a guerra.
A exemplo de Frei João que viera para Portugal no século XVIII para fugir às guerras no seu país, este Nour imitou-o e aqui aportou para ter a possibilidade de sobreviver. Não foi, pois, por acaso, que enquanto o ouvia, o conotei com a personagem criada por Raquel Ochoa no seu excelente romance. 

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