segunda-feira, junho 09, 2014

LIVRO: «Enquanto Vivemos» de Maruja Torres

Em 1950 o maravilhoso clássico de Mankiewicz «All Abou Eve» mostrava como uma rapariga aparentemente ingénua - interpretada por Anne Baxter - conseguia fazer-se contratar por uma celebrada atriz de Hollywood (papel reservado para Bette Davis) e conseguia roubar-lhe o estrelato. Estava em causa a insuspeitada perfídia por trás da candura de um olhar.
Meio século depois a jornalista do «El Pais» Maruja Torres pega no mesmo tema e põe uma rapariga dos subúrbios de Barcelona a bajular a bem sucedida Regina Dalmau, que é um ícone nas mulheres espanholas com mais de quarenta anos.
Judit não adivinha que a sua idolatrada mentora está numa insuperável crise criativa e a contrata como estratégia para descobrir as idiossincrasias da juventude e, com elas, fundamentar um novo fôlego literário.
Quando chegamos a essa fase da história é forçoso reconhecermos algum desapontamento com o que nos espera até ao final, porquanto não nos dissociamos de abordagens muito diferentes das habituais na literatura light.
Temos as angústias femininas, algum sexo à mistura, uma razoável convivência interclassista e uma moral pequeno-burguesa a prevalecer por tudo isso. Porque Regina não vive apenas os problemas do envelhecimento agora que está a chegar à condição de quinquagenária: acomete-a, em grau cada vez mais agudo, o remorso pela forma como terá tratado de quem, na idade de Judit, também lhe servira de mentora.
Teresa, a escritora de livros infantis e episódica amante do pai, tomara-a como sua discípula e fora por ela abandonada, morrendo na miséria e por todos esquecida. Agora Regina compreende com lucidez o comportamento de Judit, que cumpriu a estratégia calculista destinada a conseguir vingar por si mesma no mundo literário, não hesitando sequer em entregar-se  a um dos principais editores, se for esse o passo necessário para singrar como autora de best sellers.
Na melhor tradição dos livros destinados às mulheres obcecadas pelo ambíguo conceito de «realização pessoal», Maruja Torres avança para um happy ending com Regina instalada em Roma a viver quase anónima num bairro popular, onde encontra matéria humana bastante para a sua redenção criativa.
Ao chegar á última página do livro recordam-se as palavras de Wim Wenders, que lamentava já estarem contadas todas as histórias. Só que ainda há quem as vá recriando com algo de substancialmente diferente e esse não é manifestamente o caso da jornalista espanhola.

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