(A propósito de «Sorrisos de uma Noite de Verão» de Bergman, realizado em 1955)
A meio dos anos 50 a carreira de Ingmar Bergman parece marcar passo. Sem reconhecimento quer da crítica, quer do público, ele questiona a consistência da sua vocação. Apenas a relação amorosa com Bibi Andersson o parece confortar. E para combater as tentações de suicídio, decide apostar na escrita de uma comédia de costumes influenciada pelo «Sonho de uma Noite de Verão» de Shakespeare e por «La Ronde» de Edmond Rostand.
O fito da história seria uma ode à libertinagem através do elogio às virtudes de uma reunião no campo onde, graças a uma bebida mágica e à determinação das mulheres, os esposos, os amigos e os amantes se transformarão no que, a seu ver, deveriam ser.
Para levar o projeto avante, Bergman convida alguns dos atores e atrizes com quem mais costumava gostar de trabalhar. Eva Dahlbeck, por exemplo, que considerava o ícone da feminilidade exuberante, ou Harriet Anderson, que descobrira como cantora de cabaré e em quem pressentia a capacidade para se tornar na melhor atriz sueca. E ainda Gunnar Bjornstrand, o seu melhor amigo.
A Svensk Film Industri não encara a proposta do realizador com grande entusiasmo. Pelo contrário: atendendo ao mitigado sucesso dos seus títulos anteriores, quase sempre deficitários, avisa-o de se tratar de uma derradeira oportunidade.
A aposta teve uma resposta eloquente: premiado em Cannes, o filme consagraria Bergman a nível internacional.
Mas vamos, então, à história concebida em circunstâncias tão periclitantes: o advogado Fredrik Egerman, já quadragenário, casou em segundas núpcias, com a jovem Anne, que tem a mesma idade que o seu filho Henrik.
Esposa insatisfeita e ainda virgem após dois anos de matrimónio, Anne tem como confidente a criada Petra cujos trejeitos sensuais deixam Henrik à beira de um ataque de nervos nada condizente com a sua condição de estudante de Teologia e futuro pastor luterano.
Um dia a companhia de teatro, que tem como atriz principal a celebrada Désirée Armfeldt, vai atuar à pequena cidade. Ora, em tempos, já depois de enviuvar da primeira mulher, ela fora amante de Fredrik, que nunca mais a esquecera. Agora ele está ansioso por a poder rever.
Mas o encontro amoroso a que ela não se escusa acaba em cena de vaudeville: a chegada intempestiva do amante dela, o conde Magnus Malcolm, obriga o advogado a fugir em camisa de noite.
Despeitado com a traição de Désirée, o conde encoraja a própria esposa, Charlotte, a contar à sua amiga Anne as circunstâncias em que se evidenciara a infidelidade de Fredrik.
E a mesma Charlotte juntamente com a amante do marido decidem organizar uma festa na casa de campo da mãe desta última, uma velha senhora sem grandes pruridos morais.
No decurso de uma noite louca em que os casais se formam e desfazem o acaso mete Anne no leito de Henrik e o conde Malcolm no da própria esposa. Só Fredrik fica sozinho, já que Anne o trocara pelo filho.
Ao nascer do dia Petra e o cocheiro Frid, libertos de quaisquer preconceitos, proclamam as vantagens do hedonismo no meio de umas medas de feno. Temos, pois, o título do filme consagrado no que são os sorrisos das maravilhosas noites estivais nos países nórdicos, quando o sol nunca se chega a pôr.
Encostada a uma árvore Petra ouve Frid dizer-lhe que a noite costuma sorrir por três vezes: a primeira da meia-noite até à aurora, quando os jovens entregam os seus corpos e corações, como sucedera com Anne e Henrik. Uma segunda vez sorri aos loucos e aos incorrigíveis, entre os quais eles se incluíam.
Ao início da manhã Petra já teve o pedido de casamento de Frid e esse é o terceiro sorriso da noite de verão.
Temos, pois, um filme em que, face a um resoluto segundo sexo, os homens revelam todo o seu catálogo de canalhices e fraquezas. A ponto de nos interrogarmos o que, afinal, as mulheres chegam a ver neles!
Não se trata aqui do encontro de cada homem com uma mulher, mas dos seus desencontros e reencontros concluídos com um pacto definitivamente assente no compromisso de uma reconquista permanente.
Bergman interessa-se, sobretudo, pelo casal formado por Fredrik e Désirée para o qual tem Petra e Frid como contraponto. Aqueles viveram, sofreram, descobriram-se um ao outro e concluíram pela inutilidade do sofrimento. Contra as paixões tristes Bergman opta por rir de tudo, até dos suicídios fracassados. A seriedade está sempre a mais e Bergman lança a questão: como será possível recuperar no casal o espírito de festa?
Mas os homens saem de facto muito maltratados desta história: julgando escolher, são eles os escolhidos. E Fredrik não deixa de ser o paradigma do homem sem qualidades.
No fundo são Petra e Frid os mais felizes porque, nas coisas do amor, nunca se preocupam em complicar o que lhes parece perfeitamente fácil...
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