terça-feira, junho 10, 2014

DOCUMENTÁRIO: «Dia D: eles inventaram o desembarque» de Marc Jampolsky

Aviso à navegação: quem dispuser do canal francês TV5 no seu contrato de Tv por cabo ainda poderá assistir hoje por volta das 23 horas a um excelente documentário de Marc Jampolsky sobre o Dia D.
É certo que o realizador não referencia uma única vez aquilo que é uma evidência histórica: que Hitler já perdera a guerra a leste e os norte-americanos e os ingleses apenas quiseram evitar o avanço do Exército Vermelho até para cá de Berlim. Mas, tendo em conta que a produção é francesa e esta batalha ocorreu no território gaulês, compreende-se perfeitamente a importância conferida a esta comemoração do 70º aniversário do desembarque na Normandia.
Ele ocorreu, como é quase universalmente sabido, a 6 de junho de 1944. Nessa madrugada 150 mil homens preparam-se para protagonizar um dos momentos mais icónicos da história contemporânea.
Foi para comemorar esse momento que o programa Thalassa decidiu homenagear todos quantos deram a vida pelo sucesso da operação. Aos que imaginaram a maior operação anfíbia alguma vez concretizada. Aos que, setenta anos depois, ainda são testemunhas vivas do então acontecido. Soldados, veteranos, mas também resistentes que desempenharam um importante papel no sucesso desse projeto.
Esse 6 de junho de 1944 é conhecido como o Dia D, o dia mais longo. Mas antes de pisarem as praias normandas, todos trabalharam dia e  noite durante meses. Pouco mais de um ano para pensar, organizar e concretizar a esse gigantesco encontro com a História.
Os engenheiros tiveram de inventar tudo: barcos, pontões, portos flutuantes. E, depois desse dia, as operações prosseguiram até ao final de dezembro.
No total  entraram 3 milhões de soldados por essas praias para partirem à conquista de todas as terras ocupadas até Berlim. Muitos deles jamais tendo regressado a casa.
Foi, pois, para os homenagear que esta produção congregou o que de melhor existe em técnicas de filmagens e de investigação submarina, conseguindo cartografar as centenas de embarcações afundadas na vasta baía do Sena e visitar a maioria delas por representarem testemunhos históricos de valor incalculável. Puderam-se assim reconstituir em 3D os equipamentos marítimos, que foram pensados para se adaptarem às condições concretas das terras normandas e das suas inacessíveis falésias.
É igualmente um documentário emocionante, sobretudo ao possibilitar-se a alguns dos sobreviventes dessa batalha o mergulho em minissubmarinos para verem de perto os restos dos seus próprios navios e contarem como viveram concretamente os seus naufrágios. Testemunhos de um estado de espírito e de uma coragem incomuns, porque são simultaneamente felizes e tristes.
Mas voltemos à História desse dia: em janeiro de 1944, Eisenhower assume o comando da Operação Overlord, tendo por adjunto o general britânico Montgomery. O plano estabelecido pelo COSSAC em 1943 era pouco ambicioso, pelo que os dois chefes militares decidem alargar o âmbito do desembarque juntando duas praias nas suas extremidades: uma até à foz do Orne, a outra nas costas do Cotentin para se conseguir alcançar Cherburgo mais rapidamente.
Essa alteração implica um adiamento suplementar para convocar os homens e o material para tal necessários. É assim que o desembarque fica adiado para o período entre o início de maio e o início de junho.
São várias as condicionantes que determinam a escolha do Dia D: teria de ser em noite de Lua Cheia, que possibilitasse o envio de para-quedistas para a retaguarda das posições alemãs e o assalto ao nascer do dia a meio da maré cheia a fim de evitar as armadilhas mandadas colocar por Rommel nas praias.
A escolha final foi a do dia 5 de junho, com possibilidade de ainda ser possível cumprir a operação nos dois dias seguintes.
Em 1 de fevereiro de 1944, o marechal Montgomery apresenta o Plano Neptuno, que constitui o prelúdio da Operação Overlord. O nome de código «Neptuno» designa a fase naval da operação, que inclui a travessia do canal da Mancha, os bombardeamentos preparatórios das defesas costeiras alemãs pela aviação e, enfim, o assalto anfíbio às praias até se conseguirem garantir a sustentabilidade da sua conquista e o imprescindível reabastecimento.
Nos portos britânicos concentram-se 1213 navios de guerra entre couraçados, cruzadores, destroyers, fragatas, corvetas, e draga-minas, 736 navios auxiliares, 864 navios mercantes e 2600 barcaças de desmbarque, num total de 6939 embarcações de uma armada posta à disposição do almirante Ramsay segundo dois grupos distintos. A ocidente a Western Task Force do contra-almirante Kirk incumbida das operações nas praias Utah e Omaha. A leste está a Cada força naval é acompanhada por uma esquadra de bombardeamento composta por 15 a 20 navios de guerra. Estes deixam os portos escoceses e irlandeses na madrugada de 3 de junho por serem os que estão mais afastados do objetivo militar.
As frotas de transporte estacionadas nos portos do Sul da Inglaterra, entre Falmouth e Newhaven, levantam a âncora durante esse mesmo dia.
A 4 de junho a frota invasora recebe ordem de retroceder por causa do mau tempo, que motiva a decisão de Eisenhower em adiar a operação por vinte e quatro horas.
No dia 5 os navios voltam a deixar os portos e juntam-se na zona de concentração prevista, designada como Picadilly Circus, situada a 30 quilómetros a sudeste da ilha de Wight. As cinco forças navais dirigem-se então aos respetivos setores através dos canais entretanto aberto pelos draga-minas.
A 6 de junho; ás 2 da madrugada, os navios aliados têm à vista a costa normanda começando o transbordo ao mesmo tempo que cinco mil aviões bombardeiros largam centenas de toneladas de bombas sobre as posições alemãs.
Pouco depois das 5 horas da madrugada, os navios de guerra abrem fogo sobre as fortificações inimigas. Ao fim desse mesmo dia já desembarcaram 155 mil homens e 7 mil veículos nas cinco praias assegurando o sucesso da Operação Neptuno, que se concluirá oficialmente a 30 de junho.
Dois dos filmes mais emblemáticos sobre o Dia D - «O Dia Mais Longo» e «O Regresso do Soldado Ryan» - contribuíram para a imagem impressionante de barcaças pejadas de soldados a dirigirem-se para as praias, com muitas delas a afundarem-se antes de as atingirem,
O projeto deste documentário parte de outra perspetiva, menos conhecida, sobre a Operação Neptuno: a das centenas de embarcações afundadas durante a vigência dessa Operação.
Para concretizar essa pesquisa juntaram-se à equipa alguns arqueólogos submarinos, técnicos e engenheiros, bem como a própria Marinha de Guerra Francesa no que se designou como Operação Dia D e durou entre 10 de julho e 22 de agosto de 2013.
A primeira fase da expedição consistiu no inventário de todas as embarcações naufragadas na baía do Sena. Com os meios tecnológicos mais avançados foram esquadrinhados 500 kms quadrados de fundos marinhos para se conseguir uma cartografia completa da zona do desembarque.
O catamaran «Étoile Magique», equipado com um sonar EdgeTech 4600, fez uma primeira passagem de modo a estabelelcer umal cartlografia genérica. Depois, com outro sonar ainda mais sofisticado - o R2Sonic 2024 Ultra High Resolution - os mesmos fundos marinhos foram varridos em alta resolução, fazendo-se de uma dezena de navios a sua visualização em 3D.
Cada sinal identificado nos computadores determinava o mergulho para identificar o objeto: um tanque, uma arma pesada, um navio…
No navio «André Malraux» transportaram-se os submarinos e os mergulhadores necessários para a exploração desses salvados. Apesar da proximidade com a beira-mar e a profundidade baixa em que esses restos se encontram (em geral entre os 20 e os 50 metros), as condições de investigação não deixaram de ser extremamente difíceis devido às fortes correntes que ali ocorrem nos picos das marés e a fraca visibilidade, que raramente vai para além dos 3 metros. Daí que os mergulhadores só dispusessem de uma hora de trabalho nos períodos de mudança das marés.
Enviado como batedor, o ROV, veículo submarino teleguiado a partir da superfície, começava por fazer uma primeira inspeção dos objetos detetados, seguindo-se então o envio dos minissubmarinos (o «Aquarius» e o «Deep Worker») e dos mergulhadores equipados com câmaras especiais para concretizarem a identificação definitiva.
Enquanto decorria esse trabalho arqueológico alguns veteranos, que viveram na pele os acontecimentos dessa data histórica, juntaram-se á equipa e até viajaram nos minissubmarinos até aos navios onde tinham naufragado. O testemunho desses homens, hoje nonagenários, muito contribui para o interesse humano do documentário por chegar a ser comovente o reencontro deles com essas memórias imorredoiras do seu passado.
Setenta anos depois dessa operação naval os restos dispersos no fundo da Baía do Sena estão a degradarem-se aceleradamente por efeito da água salgada. Daí que esta operação científica e cinematográfica fazia todo o sentido para salvaguardar um património marítimo e tecnológico fora do comum. Que está prestes a ser reconhecido como Património Mundial por parte da Unesco...


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