«Quanto mais quente melhor» está nos píncaros da comédia norte-americana, que tem o travestismo como tema. Foi a segunda colaboração entre Billy Wilder e Marilyn Monroe, que já se convertera no símbolo sexual dos anos 50, quando ainda imperava o código moral de autocensura gizado por William Hays. Mas, já antes, a associação entre Wilder e Marilyn pusera seriamente à prova a instituição conjugal do americano médio com «O Pecado Mora ao Lado» em 1955, quando a mostrava a arrefecer a roupa interior no frigorífico como resposta a um verão nova-iorquino particularmente quente.
«Quanto Mais Quente Melhor» também constitui o encontro de Wilder com Tony Curtis e, sobretudo, com Jack Lemmon com quem contará em seis outros filmes posteriores, incluindo o último que assinou antes de morrer - «Buddy Buddy».
A história começa em Chicago em 1929, quando está em curso uma guerra de extermínio entre diversos bandos de mafiosos.
Joe é saxofonista e Jerry contrabaixista numa modesta orquestra quando testemunham involuntariamente o célebre massacre de São Valentim. Descobertos e ameaçados de morte pelo terrível Spats Colombo, fogem e, para não serem reconhecidos, disfarçam-se de mulheres fazendo-se contratar por uma orquestra feminina em vias de partir em digressão para a Flórida.
Não tardam a travar amizade com a palpitante cantora da orquestra, Sugar, que lhes confidencia os sarilhos passados quando trabalhava com instrumentistas masculinos, pois tinha uma inexplicável predisposição para se apaixonar por saxofonistas.
É claro que Joe, mesmo a coberto do disfarce de Josephine, não quer perder tão prometedora oportunidade e, tão só chegados ao destino, assume outra personalidade complementar: a do milionário Shell Junior, que faz ajustar em gostos e comportamentos a tudo quanto Sugar confessara ver como irresistível.
Por seu lado Jerry, que veste a pele de Daphne, também suscita a paixão assolapada de um verdadeiro milionário, Osgood Fielding que possui um iate, razão para as pressões de Joe junto do amigo para que aceite o namoro do respetivo dono como forma de marcar encontro com Sugar para a embarcação e tornar credível o novo disfarce.
Mas os percalços sentimentais veem-se perturbados pela chegada de dezenas de mafiosos ao hotel para assistirem a um falso festival de ópera, que serve de cobertura ao congresso dos chefes dos bandos de todo o país. Reconhecidos pelos sicários de Spats Colombo, os dois músicos voltam a andar numa roda viva para deles conseguirem escapar.
O iate de Osgood volta a mostrar a sua utilidade para se esconderem e para ocorrer a célebre réplica final, quando pede casamento a Daphne e a vê confessar que é um homem:
- “Não faz mal!” - responde o apaixonado. - “Ninguém é perfeito!”
«Quanto Mais Quente Melhor» não é a primeira comédia sobre a usurpação de identidade e a mudança de sexo. Wilder reconheceria a influência de um filme de Richard Pottier e de um outro alemão ainda da época do cinema mudo. Mas, juntamente com o seu habitual argumentista, I.A.L. Diamond, quis criar uma ideia original sobre dois homens heterossexuais, habituados a flirtar com quantas mulheres os sugestionassem e, por uma questão de vida ou de morte, a terem de se disfarçar sob vestes femininas e a passarem grande parte do filme com elas envergadas.
O sucesso da obra decorre do cruzamento de dois géneros muito populares: a comédia e o filme de gangsters, misturando-se assim a imbricação temática entre a ameaça de morte violenta e o desejo sexual.
George Raft, que protagoniza Spats Colombo, invoca o seu papel em «Scarface» de Howard Hawks, dirige o seu bando constituído por gangsters, que não o são propriamente de opereta.
Por seu lado, Joe e Jerry, interpretados respetivamente por Tony Curtis e Jack Lemmon, quase parecem miúdos em loja de guloseimas, quando se veem a meio da noite numa carruagem de comboio pejada de colegas da orquestra, todas elas em roupa interior. Entre elas a cândida, e romântica Sugar, que se torna desde logo uma vítima potencial dos cínicos colegas travestidos.
Mas Joe e Jerry acabam por, muito habilmente, deslocarem as fronteiras entre o masculino e o feminino para uma tal ambivalência, que a réplica final pretende concluir que, ninguém sendo perfeito, nunca se é totalmente de um género ou do outro.
Como cerejas em cima do bolo ainda há, enfim, a recordar as canções antológicas interpretadas por Marilyn: “I'm Through with Love”, “I Wanna Be Loved by You” e, obviamente, “Some Like it Hot”.
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